A gratidão do vira-lata
Carlos caminhava de manhã pela orla da praia deserta, quando avistou um cãozinho deitado na areia. Talvez estivesse dormindo e sonhando, pois seu corpo se debatia em repetidas contrações. Carlos desceu da calçada e se aproximou bem lentamente do animal, para não despertá-lo, caso estivesse mesmo dormindo.
Era um cão vira-lata, de pelos quase da cor da areia, e a suspeita de Carlos tinha fundamento: seu corpo estava tendo convulsões. Parecia debater-se para sustentar a vida, diante da aproximação da morte. Pensando em aliviar seu sofrimento, Carlos agachou-se e o acariciou demoradamente.
O cãzinho não tinha mais força para se levantar, apenas abriu lentamente os olhos de infindável meiguice, enquanto abanava tremulamente o rabo, agradecendo o carinho. Mas por pouco tempo. Após um suspiro demorado, o corpo acalmou-se totalmente. Estava morto. A energia que o fazia viver se desprendera, seguindo o destino evolutivo. Seu corpo era agora somente um aglomerado de células e órgãos, para ser transformado pela natureza.
Com muita tristeza, Carlos transportou o corpo do cãozinho e o enterrou no quintal de sua casa. Ele jamais esqueceria aquela cena. Emocionava-se cada vez que lembrava do olhar meigo do vira-lata, abanando o rabo, agradecendo o carinho que recebeu nos últimos momentos de vida.
Porém, o que ele nem sequer suspeitava, começou a ocorrer logo após a morte do animal. A energia que se desprendeu do cão manteve a sua forma, como uma cópia invisível, contendo também todo o sentimento de afeto e gratidão. Tais sentimentos o atraíram para o ser humano que lhe deu alento no final da vida, e como se estivesse ainda vivo, permaneceu ao lado de Carlos, fosse ele aonde fosse.
Cada vez que se lembrava do cãozinho, Carlos reforçava mais o elo que o ligava àquela energia. E a influência que reciprocamente transmitiam não era nada prejudicial, ao contrário, ambos trocavam uma sadia vibração de amor.
Carlos encontrou numa loja de presentes um cãozinho em miniatura, com a expressão alegre e rabinho em pé, parecendo que o abanava. Comprou o brinquedo e com ele fez um pequeno altar no seu quarto. Daí em diante, sempre que olhava a imagem imaginava o cãozinho alegre, em alguma dimensão invisível, mas ali bem próximo...
Sua vida tornou-se mais feliz, pois a tristeza que sentia desde a morte do animalzinho transformara-se em alegria. Imaginava seu amigo sempre presente, em espírito, ao seu lado.
Formado em arquitetura, Carlos trabalhava numa empresa do ramo, e muitas vezes ficava até mais tarde terminando algum projeto.
Numa dessas noites, ao retornar para casa, como de costume caminhou até o seu carro, estacionado numa rua deserta, ali próxima. Surgiram de repente dois homens armados. “Aí, tio, você perdeu. Passa a chave do carro, celular, todo o dinheiro que tiver, documento, tudo!”
Carlos levou um susto, mas conseguiu controlar-se e logo pôz-se a esvaziar os bolsos. Mas quando olhou novamente os assaltantes, viu seus rostos contraídos. Pareciam sentir medo!
Carlos não estava enganado. Os dois marginais, de repente viram o seu rosto se transformar num enorme cão raivoso, numa fera com dentes ameaçadores. Apavorados, ambos largaram as armas e correrem em disparada, sumindo no escuro da noite.
Carlos ficou atônito, sem conseguir entender por que os dois sentiram tanto medo dele, quando o encacaram de frente. Alisou com as duas mãos todo o rosto, mas nada constatou de anormal, além de que sua barba estava por fazer.
De volta para casa, enquanto dirigia o carro, lembrou-se do seu cão amigo: “Escapamos dessa!”, disse a si mesmo, e pôz-se a rir. Quando chegou em seu quarto, foi até o altar e demorou-se olhando o bonito cãozinho em miniatura. Talvez por intuição, ficou cismado: “Será que você teve alguma coisa a ver com aquilo?”
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