O VIVEIRO DAS PASSAS
Ele nem se lembra mais do tempo em que chegou naquela casa, há muitos anos, quando ainda era um vidrinho de azeitonas comprado num supermercado. Lembra somente que frequentava o dia inteiro a geladeira, em compania de muitos outros recipientes de alimentos, entre os quais o Pote de Granola. O Granolão, como o apelidou, era sempre colocado ao seu lado. Os dois se tornaram muito amigos, passavam o dia conversando sobre suas vidas. O pequeno vidro de azeitonas constatou logo que possuía uma grande desvantagem em relação ao companheiro. Não por ser menor, mais franzino, mas porque sua vida estava predestinada a ser muito efêmera: logo que esvaziasse, seria posto no lixo e substituído por outro. O que, aliás, já estava perto de acontecer. Enquanto que seu amigo Granolão, cada vez que se esvaziava, tinha sempre um pacote de granola aguardando para enchê-lo novamente.
Quando soube disso, Granolão, ficou bastante preocupado. Podia ver no amigo, através de seu vidro, que faltavam, mesmo, poucas azeitonas para esvaziá-lo, portanto ele tinha razão em andar assim, triste e acabrunhado. Prometeu então se empenhar o quanto pudesse para persuadir o dono a conservá-lo ativo, enchendo-o com azeitonas compradas a varejo. Conseguiu assim reanimar o amigo, que se encheu de esperança.
Mais tarde Granolão lhe falou de sua grande preocupação com “as pobres passas” que, misturadas aos grãos de cereais, faziam parte da granola que ele carregava.
“Por que tem pena delas?” – Perguntou o franzino vidro de azeitonas.
“É que elas são rejeitadas pelos humanos da casa. Eles consomem somente os grãos da granola e separam as passas, jogando-as no lixo.”
“Que maldade! Por que fazem isso, você conseguiu descobrir?”
“Sim, eu sei.” – Respondeu o Granolão. “É por causa do frio da geladeira. As passas são muito sensíveis ao frio, elas se encolhem todas, ficam tensas... duras! “
“Entendo... Coitadinhas, assim não conseguem cumprir sua missão de alimentar os humanos...”
Essa revelação transformou completamente a vida do pequeno vidro. Ficou pensando numa solução, buscando algo que pudesse fazer... De repente, lhe ocorreu uma ideia. E uma ideia genial! Poderia salvar as passas e ao mesmo tempo se salvar!
Correu para o seu dono e lhe propôs que, logo que seu conteúdo chegasse ao fim, fosse transformado num vidro de passas, para guardar as que forem retiradas da granola. Ele seria deixado no armário, não na geladeira, mantendo assim as passas macias, prontas para serem consumidas a qualquer momento.
Aconteceu tudo muito rápido: seu dono achou a ideia ótima, consultou a esposa e ambos concordaram. No mesmo dia esvaziaram o vidrinho de suas últimas azeitonas, depois o lavaram cuidadosamente na torneira da pia e o colocaram no armário.
Quando soube da novidade, o Granolão foi pessoalmente dar parabéns ao amigo, pela brilhante ideia que, de uma só tacada, salvou as pobres passas, resolveu o seu problema pessoal e o livrou de uma horrível preocupação. Prometeu colaborar ao máximo, separando com cuidado as passas, todas as manhãs, quando a granola seria usada.
Na manhã seguinte, Granolão cumpriu à risca o prometido: depositou no pequeno pote as primeiras três passas, dando início à Comunidade. Desculpou-se pela pequena quantidade, mas foi o que pôde retirar naquele momento. Essas três primeiras passas adotaram os nomes de Passa Inicial, Segunda Passa, e Passa Terceira. Tornaram-se as líderes da futura comunidade, e seriam as últimas a serem consumidas, pois ficariam sempre no fundo do vidro. Contentíssimas, agradeceram ao pequeno vidro pela ideia feliz que salvou suas vidas. Não seriam mais jogadas no lixo, e finalmente poderiam cumprir a sua missão de ofertar seu sabor e seu alimento aos humanos. Para demonstrarem sua alegria ostensivamente, pularam muito, sacudindo o vidro.
Daí em diante, o trabalho constante do Granolão fez aumentar bastante a quantidade de passas no interior do pequeno vidro. Ele chegava diariamente trazendo cerca de seis a doze, e a comunidade começou a se avolumar. Assim que novas passas chegavam, toda a comunidade pulava, num verdadeiro carnaval, aos gritos de “Aumentamos mais! Nossa comunidade é poderosa!”. A alegre sacudida do vidro com todas pulando e gritando, transformou-se num hábito, que batizaram de Cerimônia do Agradecimento. E o pequeno vidro ganhou o nome de Viveiro das Passas.
Não demorou muito, o Viveiro das Passas estava quase cheio. Mas certa manhã, de repente, sem nenhum aviso, a esposa do dono retirou um punhado delas para serem consumidas. É verdade que isso já era previsto, mas assim mesmo, todas elas e o Viveiro levaram um susto. Tanto ele quanto as passas já se haviam esquecido de que a finalidade de estarem ali era servir aos humanos.
Na manhã seguinte, quando o Granolão chegou trazendo mais sete passas, encontrou a comunidade desfalcada. O Viveiro das Passas fora esvaziado até bem abaixo da metade. Poucas passas sobraram, e o Viveiro explicou: “Ontem à noite a esposa do nosso dono retirou mais da metade, veja só!”
O fato deixou o Granolão tristonho. Mas o Viveiro soube trazer o ânimo de volta: “Ora, meu amigo, isso estava no programa! As passas estão cumprindo a sua missão, como elas mesmas queriam! Não se importe, basta continuar trazendo mais passas e a comunidade vai se tornar novamente poderosa!”
Em seguida, gritou para as passas: “Vamos! Quero ver alegria, minha gente!”
Passa Inicial, a Segunda e a Terceira Passa, abraçadas, gritaram em coro para as outras: “Se os humanos nos levam, é motivo de alegria! Sinal que somos gostosas!”
Viveiro encheu-se ainda mais de entusiasmo, e completou: “Agora mesmo chegaram sete companheiras novas! Vamos recebê-las como merecem!”
Logo, enchendo-se de ânimo, as passas iniciaram a Cerimônia do Agradecimento, que já era uma tradição: todo mundo pulando e gritando, alegremente: “Vamos crescer de novo! Vamos aumentar! Nossa comunidade é poderosa!”
E o Viveiro das Passas sacudia todo.
Não demorou um mês, o Viveiro das Passas estava novamente cheio. E assim continuou a vida da comunidade de passas, em seu alegre habitat.
De tempos em tempos aconteciam novas aquisições, parte das passas eram retiradas, algumas vezes mais, outras menos. Mas o importante é que tanto elas quanto o seu Viveiro, jamais desanimaram. Em todas as ocasiões, as suas líderes – a Passa inicial, a Passa Dois e a Terceira Passa, que permaneciam no fundo, ajudaram o Viveiro a levantar o ânimo e a devolver a alegria de estarem vivas e cumprindo sua missão.
Elas continuam sempre agradecidas ao Viveiro das Passas, que na verdade foi quem criou a comunidade e à qual se dedica inteiramente. E também ao Granolão, que jamais deixou de cumprir o que prometeu. Todas as manhãs, religiosamente, comparece trazendo algumas passas. A tradicional Cerimônia de Gratidão sempre se repete, com o vidro do Viveiro das Passas sacolejando, e com toda a comunidade pulando e gritando de alegria.
As passas aprenderam em sua vivência, uma lição que consideram definitiva: quando alguém se dedica a uma causa com boa-vontade e competência, e se é verdadeiramente honesto, nunca deixando de cumprir o prometido, as coisas dão certo para toda a comunidade.
sendino.claudio@gmail.com
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