ESCRAVOS DAS EMOÇÕES
“Tenho que manter a minha fama de mau.”
Erasmo Carlos
Nós, seres humanos, somos escravos das emoções. Conscientes ou não, elas estão por trás de todas as nossas ações, mandando e desmandando. Muitos não concordam, garantem que seguem seus princípios éticos, guardados na consciência, aos quais dá o nome de razão. Mas são raros os momentos em que a razão fala mais alto. Pode-se observar que quase sempre ela é subjugada por impulsos emocionais, que na verdade, ditam as atitudes, decisões e escolhas, tanto para o bem quanto para o mal.
Durante o viver do dia a dia, o lado emocional permanece oculto a maior parte do tempo, como uma fera adormecida em sua jaula. Mas assim que algo acontece fora da rotina, solicitando uma atitude, escolha ou decisão importantes, imediatamente as emoções despertam e tomam as rédeas das ações.
Todo esse processo se passa no inconsciente. As emoções conscientes são atuantes, por exemplo, ao ouvir uma música, assistir a um filme, ou presenciar um fato que cause tristeza ou alegria, risos ou lágrimas. Aí sim, há plena consciência de se estar emocionado.
Às vezes uma emoção faz alguém agir contra seus próprios princípios, e quando isso acontece, o intelecto habilmente deturpa e adapta a razão, para justificar na consciência o erro cometido. Dessa forma explica qualquer atitude, mesmo as insanas, evitando a contradição com os próprios princípios éticos, morais etc. Bem dizia Freud que no inconsciente se abrigam os sentimentos e ideias intoleráveis para o consciente. Realmente, poucas são as pessoas capazes de reconhecer seus erros e contradições.
Os alcoólaras, na maioria, sabem perfeitamente das consequências maléficas do álcool para o organismo, mas assim mesmo não desistem da bebida. Muitos deles chegam a tentar, mas a vontade de beber fala mais alto que a razão. O mesmo acontece com os fumantes inveterados, que têm farta informação sobre os males do cigarro, mas até se revoltam contra os amigos que os alertam. A ânsia de fumar é muito mais forte do que os argumentos racionais.
Assim funcionam os seres humanos, pode-se dizer, desde o Homo Sapiens. A mente emocional inconsciente dita as ordens, o corpo as cumpre e o intelecto as justifica, com tantos e mais eficientes argumentos, quanto maior for a cultura por ele adquirida.
Porém, a qualidade das emoções que comandam o corpo é determinada pela maior ou menor dose de egoísmo ou altruísmo existentes no caráter de cada um. Nas pessoas de caráter predominantemente egoísta, as emoções assumem esse egoísmo, impelindo-as a favorecer a si mesmas, a acumular bens, gozar de todos os prazeres, a buscar riqueza e poder, a ver nos outros somente a possibilidade de tirar proveito, ou então um obstáculo a ser transposto. É a famosa filosofia do “quero tudo para mim e os outros que se danem!”
Mas o pior é quando o inconsciente incorpora princípios religiosos ou políticos, usando-os conscientemente como bandeira para justificar suas ações, tornando o indivíduo prepotente, impondo sua opinião fanaticamente, sem medir consequências. Nos casos mais graves, praticam verdadeiras insanidades, à custa da própria vida e de muitas outras. Quantos terroristas e guerrilheiros matam centenas de pessoas e morrem pelo seu fanatismo... Tal processo pode também ser consequência do que Carl Jung chamou de “inconsciente coletivo”. O inconsciente coletivo pode comandar as ações de um povo inteiro.
Inversamente, quando no caráter predomina o altruísmo, as emoções inconscientes refletem esse altruísmo, induzindo o indivíduo a ser fraterno com todos e a colaborar para o bem comum, em qualquer circunstância. Muitas vezes a emoção altruísta de amor ao próximo é responsável por atos heróicos, levando a pessoa a salvar vidas, até mesmo com o sacrifício da sua.
No entanto, seja qual for o seu caráter dominante, qualquer um está sujeito a ser induzido por emoções negativas ou positivas de seu inconsciente, nas relações com as outras pessoas e com o mundo. De maneira geral, as emoções derivadas do amor são as mais positivas; e as emoções derivadas do ódio, da inveja, da tristeza ou do medo, as mais negativas. Mas é bom frisar que a inversão é possível. Em circunstâncias especiais, o amor pode se tornar negativo e o ódio positivo. Tal inversão sucede também com outras emoções, como o medo, por exemplo, que se transforma em emoção positiva, quando, diante de uma situação real de perigo, dá forças ao corpo para escapar daquela situação.
Independentemente das emoções que o comandam, o ser humano vive com a mente cheia de princípios éticos e morais, adquiridos através da cultura que consegue absorver. Tais princípios, em geral meramente intelectuais, raramente influem nas decisões emocionais. Servem sobretudo para alimentar a vaidade, exibindo conhecimento e cultura em conversas e discursos.
A vaidade, aliás, entre as emoções negativas é a mais presente nos líderes, a principal mandatária de suas ações.
Líderes populares, tanto os superstars como os atletas consagrados e os políticos, são fortemente dominados pela vaidade. Os primeiros chegam a despertar paixões em milhões de seres humanos, dependendo das oportunidades que conseguiram aproveitar, do talento e sobretudo do carisma que possuem. Em geral, o excesso de vaidade os torna egocêntricos e narcisistas. Mesmo depois de se tornarem famosos, é comum que suas vaidades insaciáveis os continue impulsionando a tirar mais e mais proveitos dos mecanismos legais que deveriam patrocinar os iniciantes, como, por exemplo, a Lei Rouanet, sem se importarem de impedir, assim, que a lei exerça a finalidade para a qual foi criada. Os que procedem dessa maneira –, e não são poucos –, revelam claramente a vaidade dominante que os faz pensar somente em si próprios. Quem sabe, no fundo, achem que se a lei promovesse realmente os iniciantes, estaria criando novos e indesejáveis concorrentes?
Mas nem todos são assim. Existem artistas e esportistas famosos que demonstram ser comandados por emoções altruístas. Sem abrir mão do seu progresso profissional, reservam boa parte da fortuna que ganham para incentivar e ajudar os outros, colaborando com o progresso humano. Infelizmente, porém, esses contam-se nos dedos.
Dizem que a paixão cega. O que sem dúvida é uma verdade, pois toda forte emoção impede a mente de enxergar os princípios éticos e morais, ou seja, a razão.
Se observarmos os líderes políticos, aí então é que essa verdade se mostra mais evidente. Os líderes políticos são comandados, não só pela vaidade, mas também por outras emoções egoístas. Isso é bem compreensível, pois se querem sair vencedores nessa terrível arena competitiva, precisam de grande dose de ganância. Os que não a possuem, costumam desistir logo no início da carreira, ao se verem sós em meio a um verdadeiro ninho de serpentes.
Em aparente contradição, os políticos que mais têm chance de vencer, de galgar o cobiçado cume do poder, ou seja, os mais gananciosos, são justamente os que se mostram mais carismáticos, mais honestos e humanitários em seus discursos. Dessa maneira, ganham votos e seguidores.
Assim como os líderes artísticos, os políticos também despertam paixões. São capazes de criar um vínculo emocional com seu Partido, a tal ponto, que ele e o Partido se fundem, formando um verdadeiro fetiche. Desse fetiche emana um sentimento mais religioso do que político, contaminando multidões de adeptos. Todo esse processo inconsciente é provocado, de um lado pelo carisma, que oculta a ganância do político, do outro pelo amor e adoração despertados em seus seguidores (ou eleitores). E quando a emoção dos seguidores chega ao nível de adoração fanática, impede a razão de acreditar em qualquer um que se oponha. Se o político é corrupto, as possíveis provas da corrupção nem sequer são vistas pelos seus cegos adoradores, ainda que elas sejam bem evidentes.
Nesse estado mental, os que antes eram eleitores, agem no presente como fiéis devotos de uma religião, cujo deus é o seu ídolo político. Movidos pelo amor ao deus, acreditam em tudo o que o político diz, por mais absurdo e contraditório que seja, pois deus não pode errar e muito menos se corromper.
É nesse ponto que os polos emocionais se invertem. O amor, que normalmente é a mais positiva das emoções, torna-se negativa, pois induz o apoio a um criminoso, impedindo a mente de reconhecer seus crimes. E ser solidário com o crime é ser também criminoso.
Nesse caso, então, positivo será o ódio. A emoção negativa de ódio, desde que não seja diretamente dirigida ao indivíduo, mas sim ao crime, como instituição, estará prestando um serviço positivo, pois quebrará o véu do fetiche, revelando o desatino de continuar amando e apoiando o criminoso.
A todo momento o ser humano age sob o jugo das emoções que atuam no seu inconsciente, sejam elas positivas ou negativas. Somos todos seus escravos, embora sem termos consciência desse algoz.
sendino.claudio@gmail.com
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