Translate

terça-feira, 26 de novembro de 2019

1 • ARTIGO • O que eu iria pensar de mim?

O QUE EU IRIA PENSAR DE MIM?

Considerações 
pessoais sobre a 
honestidade

Desde os primeiros anos de vida ouvimos falar em honestidade. Exaltá-la faz parte da cultura de todas as sociedades. Criou-se um consenso mundial de que ela deva compor o caráter das pessoas, e por isso todos se dizem honestos, incluindo os condenados por roubo e corrupção, que sempre têm uma justificativa para o crime cometido. Portanto, esse consenso mundial não é suficiente para tornar ninguém honesto. 
Muitos acham que honestidade é somente o respeito às leis. Mas tampouco isso é prova de honestidade. Hábeis corruptos aprendem a praticar seus crimes por entre as brechas das leis, e além disso, existem muitos advogados exímios em defender criminosos, desde que tenham dinheiro suficiente para pagar os honorários.
Por outro lado, as religiões incluem a compaixão e a honestidade como virtudes necessárias aos fiéis. Mas ser devoto fervoroso também não torna ninguém honesto. Os fiéis geralmente mostram-se bondosos e amorosos no interior do templo, durante os atos religiosos, mas no dia a dia agem conforme o nível de consciência que possuem. Quando corruptos, deixam de lado a religião, praticam seus crimes e depois voltam para suas igrejas, sorridentes, certos de que serão devidamente abençoados por Deus.
O que será então honestidade?
Não há dúvida de que ela também inclui o respeito às leis: não roubar nem matar, pois desses dois crimes derivam-se praticamente todos os outros. Matam-se e roubam-se animais, pessoas, ideias, ideais, esperanças e até sonhos. Qualquer delito que imaginemos será, em última análise, um desdobramento do roubo ou assassinato. O estelionato, por exemplo, a rigor é também um roubo, pois quem o pratica se apropria do que não lhe pertence. Mas o conceito de honestidade vai mais além, abrange o cumprimento de todos os compromissos assumidos, tanto documentados quanto verbais.
A honestidade não pode ser imposta nem ensinada através de leis ou de teorias filosóficas. Não é uma atitude legal, política, nem tampouco religiosa. Está enraizada no terreno mais profundo da individualidade humana.
Só existe uma maneira de ensiná-la: através do exemplo. Principalmente às crianças, pois suas mentes, ávidas de aprendizado, observam atentamente os mais velhos. Quando a criança possui uma boa índole, torna-se capaz de assimilar a essência da honestidade, ao ver seus pais nas pequenas atitudes do dia a dia. Seja no devolver o troco que recebeu a mais, ou no cumprir as leis do trânsito ao dirigir. Esses pequenos gestos de honestidade do pai ou da mãe são assimilados com orgulho pelo filho, que assim os vai incorporando à formação do seu caráter. 
Mas não são apenas crianças que aprendem com exemplos. Há também inúmeras pessoas que assimilam a essência da honestidade ao assistirem a fatos marcantes e contundentes. 
Foi o que aconteceu durante uma prova de atletismo –, a Cross Country de Burlada, em Navarra, na Espanha. O atleta espanhol Ivan Fernández Anaya, de 24 anos, corria em segundo lugar, quando viu o queniano Abel Mutai, que estava em primeiro e a 10 metros de vencer a corrida, desacelerar e quase parar, julgando ter cruzado a linha de chegada. Ivan Fernández aproximou-se e, em vez de ultrapassá-lo, alertou o líder sobre o equívoco e, mantendo-se atrás dele, o conduziu gentilmente para confirmar a vitória. 
O público o aplaudiu delirantemente pelo gesto. E quando um repórter lhe perguntou por que não o ultrapassou e venceu a corrida, respondeu: “O que eu iria pensar de mim?”
Com essa atitude exemplar, o atleta espanhol não apenas demonstrou honestidade, mas também solidariedade. Muitos se emocionaram a tal ponto que o exemplo ficou marcado em suas almas. Para esses, foi uma verdadeira lição, um aprendizado para o resto da vida.
É importante ressaltar que, se o corredor espanhol tivesse passado a frente do queniano e ganho a prova, teria sido uma atitude absolutamente legal. Nada o impediria de receber a medalha de ouro. 
Isso demonstra que a honestidade não é só uma questão legal. É sobretudo o ato de considerar o próximo um ser tão valioso quanto nós. E como consequência, tratá-lo com a mesma consideração com que gostaríamos de ser tratados: compreendendo e aceitando seus sentimentos, sem nos apossarmos de seu sonho ou impedirmos que ele se realize, para levarmos vantagem. Ainda que agindo dentro da legalidade. 
Infelizmente, os veículos de comunicação, que bem poderiam prestar um grande serviço à humanidade dando destaque a exemplos desse tipo, fazem justamente o oposto: divulgam maciçamente crimes e corrupção, tornando-se mais geradores de criminalidade do que de honestidade e paz.
A pessoa honesta não faz esforço algum para ser. É, de forma natural e espontânea, mesmo à custa de prejuízos pessoais. A ganância não a seduz, pois já sabe que tanto faz desviar dinheiro dos cofres públicos, quanto passar à frente dos outros sem merecer. Não importa a circunstância, e muito menos a crença religiosa ou política.
Quando alguém possui o caráter verdadeiramente honesto, antes de tomar decisões importantes, sempre se questiona: “O que eu iria pensar de mim?””

Envie seu comentário ou crítica. Será muito bem recebido.
Envie para:
amigos.blogspot.com.br    


2 • HISTÓRIAS DAS COISAS • A fraternidade verde

HISTÓRIAS DAS COISAS – 19

A FRATERNIDADE DAS GARRAFAS VERDES

Aurora morava na prateleira de baixo da geladeira. Tinha plena consciência de sua grande utilidade e beleza para os humanos; sabia o quanto seu líquido era saudável, além de muito saboroso, e que seu corpo, lindo de cor e de forma, ainda por cima economizava espaço, facilitando a arrumação no local onde estivesse. Aurora muito se orgulhava de suas qualidades, mas, por outro lado, sabia que estava predestinada a uma vida curta. Seu conteúdo, muito consumido, logo se esgotaria. Depois –, se é que haveria o depois –, viria o desconhecido... E isso lhe dava medo. Que destino teria quando o seu conteúdo acabasse? Seria reaproveitada? Quebrada e depois varrida, como um lixo vulgar? Aurora tinha horror só de imaginar.
Agora, que seu líquido estava no fim, lembrava-se constantemente do início da vida, transportada no caminhão juntamente com centenas de outras iguais a ela, até ser colocada na gôndola de um supermercado, onde permaneceu longas semanas. 
O tempo que passou no supermercado lhe deu maturidade. Observou que existiam inúmeros tipos de garrafas de sucos, cada uma com seu rótulo característico, com formatos e cores diferentes, vindas de todos os cantos. Conviveu, não somente com elas, mas também com garrafas de inúmeras espécies de bebidas. Durante esse tempo, observou a atitude dos humanos que faziam compras, e notou que eles buscavam sempre as bebidas alcoólicas, nas prateleiras das cervejas, vinhos e destilados, pouco saudáveis para seus corpos. Os que preferiam as garrafas de sucos, como ela, eram a minoria, e quase todos idosos. 
Talvez por esse motivo, Aurora desenvolveu uma aversão aos líquidos alcoólicos. Mesmo aos vinhos, com quem deveria ter bastante afinidade. Eles se julgavam tão importantes e eram tão esnobes, que dava nojo. Nas raras vezes em que ficaram na prateleira próxima, os vinhos a trataram mal: cochicharam entre si, depois a olharam e riram com desdém. Mas Aurora nunca se abateu. Possuía uma forte autoestima, plena consciência de sua importância, de seu conteúdo saudável, e sobretudo de sua beleza. 
Ouvia sempre elogios dos humanos, não somente pelo sabor de seu suco, mas pela beleza de seu corpo, do seu formato inusitado e charmoso. E foi justamente depois de um desses comentários elogiosos, que ela foi levada para o carrinho de compras, por um casal de idosos.
Aurora pensava essas coisas, acomodada em seu ninho, no interior da porta da geladeira. Essas lembranças evitavam aquele pensamento horrível sobre a lixeira, sobre o seu fim. O medo do desconhecido sempre existiu, apesar do seu amor próprio e da sua crença em Deus. 
Ali na geladeira, as melhores amigas de Aurora eram as gêmeas –, duas garrafas de água, com quem convivia diariamente, e até fazia parceria, pois os humanos da casa preferiam o suco diluído com uma parte de água. As gêmeas eram ambas muito simpáticas, conversadeiras, extrovertidas e muito engraçadas. Uma delas sempre permanecia no fundo da geladeira, enquanto a outra estava em uso. Elas viviam elogiando o “verde esmeralda lindíssimo” do corpo de Aurora, que devolvia o elogio: “E vocês são branquinhas e transparentes como a paz!” 
Mantinha assim um clima sempre amoroso entre elas. Numa das últimas conversas, Aurora deixou transparecer sua preocupação com o término de seu conteúdo. Seu suco estava chegando ao fim, e com ele, quem sabe, a sua vida...
“Não se preocupe com isso, menina!”, – Respondeu a gêmea, alegremente. “Você daqui vai direto para a comunidade! Pode ter certeza!” 
Foi a primeira vez que Aurora ouviu falar na comunidade. 
“Que comunidade é essa?” – Perguntou, muito curiosa e vendo nascer uma esperança de continuar sua vida. 
A gêmea contou tudo o que sabia a respeito: que era uma comunidade religiosa bem distante dali, formada só por garrafas verdes, iguais a ela. E sempre que uma garrafa do seu tipo ficava vazia, surgia um santo que a levava para morar lá. 
“Pode ficar tranquila, querida” – Afirmou, convicta, a garrafa de água. – “Quando chegar o seu dia você será chamada!”.
Aurora encheu-se de felicidade e esperança. 
Pensou em seguida: “Até que valeu a minha dedicação! O prêmio pelo meu saudável suco de uva está por chegar!” – E agradeceu à gêmea pela valiosa informação.
A vida prosseguiu, com Aurora diminuindo seu conteúdo a cada dia. Até que, numa noite, o seu velho dono bebeu o último gole. Nessa noite Aurora não voltou para a geladeira; foi deixada sobre a pia da cozinha.
Voltou a sentir medo: “Será que a história da gêmea foi só uma invenção para me consolar? Será que na verdade vão me jogar na lixeira?” – Tais pensamentos não a deixavam dormir. Apegou-se então fortemente à sua religiosidade: “Nunca fiz mal a ninguém, e sempre cumpri muito bem meu trabalho. Deus há de me ajudar!” – Isso lhe trouxe a paz, e finalmente adormeceu.
Despertou com a presença de alguém que a segurava, mas não conseguia identificar quem era. Sentiu apenas que duas mãos a carregavam para a torneira da pia. Ali, foi lavada até ficar absolutamente limpa. 
Ouviu então uma voz que nunca ouvira antes: “Aurora, você está passando pelo ritual sagrado da Fraternidade das Garrafas Verdes. Ficará livre de todas as coisas que a prendem ao mundo.” – As mãos então abraçaram seu corpo.  
“Vai ter início a cerimônia da Tirada dos Rótulos.” 
Em seguida, as mãos descolaram os rótulos que continham a sua marca e demais informações. Terminado esse trabalho, a voz lhe comunicou: “Agora você está livre de todos os rótulos, para se dedicar inteiramente à fraternidade.”
Aurora foi guiada por uma longa estrada até uma região distante, na prateleira de fundo da churrasqueira da casa, onde vivia a comunidade chamada Fraternidade das Garrafas Verdes.  
Foi recebida com muito carinho por todas, e após as boas-vindas a conduziram ao seu lugar, já reservado. As Garrafas Verdes possuem todas o mesmo formato de corpo da Aurora e o mesmo translúcido verde esmeralda. Uma delas falou:
“Meu nome é Rair. A que está à sua direita chama-se Gahr e a da esquerda Mhun. O seu nome agora passará a ser Aura.”
“Aura... Adorei!”
A vida na comunidade foi para Aura uma lição de harmonia. Todas as garrafas permaneciam quietas e tranquilas, formando uma enorme fila que ocupava toda a extensão da prateleira de mogno escuro, no fundo da churrasqueira. Aura sabia ser apenas uma delas, passando os dias imóvel e em completo silêncio, como as outras, mas feliz como nunca se sentira antes. 
As garrafas tinham como única atividade a mentalização do bem para todas as garrafas do planeta, sem distinção de raça ou de cor. Todas muito bonitas, decoravam permanentemente o local. Os humanos que visitavam a churrasqueira encantavam-se ao vê-las, todas do mesmo tamanho e de um translúcido verde esmeralda. 
Mas elas sabiam que a qualquer momento poderiam ser requisitadas, bastando para isso que algum humano precisasse de seu trabalho. Estariam sempre dispostas, pois o lema de todas era “sempre ser útil aos humanos”.
Depois que Aura passou a fazer parte da Fraternidade, a quantidade de garrafas aumentou bastante, apesar de que nunca imaginaram uma possível superlotação. Bonitas e úteis como eram, estavam certas de que seriam constantemente requisitadas pelos humanos. 
Entretanto, isso não aconteceu. Pelo contrário, chegaram tantas garrafas novas, que todo o espaço disponível já estava prestes a se completar.
Num dia, a Prefeita da Região, ao ver a prateleira da churrasqueira inteiramente tomada pelas garrafas verdes, esqueceu-se da beleza delas e da vibração que emanavam. Teve um ímpeto de loucura e berrou: “Fora! Quero todas essas garrafas fora daqui! Joguem todas no lixo!!!” – E saiu esbravejando aos seus assistentes para que cumprissem a ordem a partir do dia seguinte. 
A comunidade estremeceu. Na Fraternidade das Garrafas Verdes, pela primeira vez a tensão quebrou a paz. Umas rezavam alto: “Ah, meu Deus! Livrai-nos desse mal!” 
Outras imploravam: “Que o poder do Universo nos salve nessa hora difícil!” 
 Choravam Gahr e Mhun, abraçadas: “Dai luz à nossa Prefeita! Que ela mude de ideia! Proteja-nos, ó leis eternas do Universo!” – Todas apelavam, enfim, para as divindades. 
Aos poucos, porém, a garrafas foram ficando calmas e se conformaram com a situação. Compreenderam que nada mudaria o seu destino, fosse ele qual fosse. E a paz e a serenidade voltaram a reinar. 
Rair falou alto e convicta: “Confiemos no Universo, confiemos em Deus! Tudo vai dar certo. Tudo vai ser como deve ser!”
No dia seguinte, atendendo às ordens da Prefeita, quatro garrafas verdes foram retiradas da comunidade, embrulhadas e jogadas na lixeira. Entre elas estava Aura. 
Despediu-se das amigas, com lágrimas mas com esperança: “Só Deus sabe o que será de nós, minhas queridas companheiras. Mas há de ser algo bom, porque só plantamos coisas boas em nossas vidas. Só fizemos o bem aos humanos. Vamos ter fé e seguir em frente!”  
No outro dia, mais quatro garrafas verdes foram levadas. No dia seguinte, mais quatro. E assim, em alguns dias, todas as garrafas foram jogadas na lixeira, pondo fim à Fraternidade das Garrafas Verdes. 
O transporte no caminhão de lixo não foi penoso como temiam. Os funcionários as acomodaram com cuidado para que nenhuma se quebrasse, sinal de que pretendiam fazer algo com elas. Viajaram assim por muitas horas.
O céu já estava escuro quando o caminhão parou e as depositaram numa clareira no mato, cercada por grandes árvores. Não era um “lixão”, como temiam, mas um local ermo, de onde se avistava uma contínua silhueta de casas e casebres, sinal que havia ali perto uma comunidade de humanos.  
Aura percebeu que todas as outras garrafas estavam enfileiradas ao seu lado. Era quase a repetição da antiga prateleira, agora formada no chão de terra. À medida em que as outras garrafas se davam conta dessa nova realidade, sentiam uma onda de felicidade, que se espalhou por todas. A Fraternidade das Garrafas Verdes havia, afinal, sobrevivido! Ao que tudo indicava, viveriam dali em diante, diretamente expostas à natureza, mas como todas possuíam suas tampas, não seriam invadidas pela chuva. O ambiente, portanto, era perfeito para a nova vida da comunidade. 
Todas se maravilharam com a lua cheia. Aura levantou os braços para o céu e disse: “Quando fazemos a coisa certa, o Universo conspira em nosso favor!” – Ao que as outras acenaram concordando e bateram palmas. Era o início de uma nova vida, com as garrafas cheias de esperança, reafirmando o princípio de “sempre ser útil aos humanos”.
Assim que amanheceu, puderam ver melhor as casas ao redor. Todas bem pobres e certamente habitadas por subempregados da cidade. Mas para as garrafas, isso não tinha a menor importância. Para elas, todos os humanos eram iguais.
Nos dias e meses que se seguiram, as garrafas tiveram motivos para se alegrar. A Fraternidade das Garrafas Verdes foi muito mais atuante nessa nova fase, pois alguns humanos, mulheres e crianças, vinham a miúde pegá-las, o que era muito raro no tempo da antiga prateleira. Entre essas pessoas de vida tão simples, as garrafas se tornaram muito mais úteis e importantes.
Certa manhã, Aura avistou um jovem humano vindo em sua direção. Ele agachou-se e a pegou nas mãos, murmurando consigo mesmo: “Que linda! A mãe vai gostar dela!” 
Em seguida a levou até um casebre, ali perto. A mãe do rapaz adorou o presente: “Você sabe escolher bem, meu filho!” 
Lavou bastante a garrafa na torneira da pia, depois a encheu de água do filtro e colocou-a sobre a mesa. 
“Que linda, não é mesmo, meu filho? Ela vai enfeitar a nossa mesa!”
A partir daí, Aura sentiu a felicidade de pertencer a uma família humana. Em vez de suco, agora continha água. E o medo do seu conteúdo se esgotar não existia mais...

Envie seu comentário ou crítica. Será muito bem recebido.
Envie para:
sendino.claudio@gmail.com




3 • HUMOR & CARTUNS • Religiosos pregando a Bíblia

Outra anedota retirada do livro ANEDOTAS POPULARES de Claudio Sendin com anedotas contadas em forma de quadrinhos.  

Diz o cronista Sérgio Cabral no seu prefácio:   
  
… Agora, com este livro, Claudio Sendin descobriu o óbvio. 
….A história do desenho de humor no Brasil é secular e revelou artistas fantásticos, iguais aos melhores que o mundo já produziu. Como não ocorreu a nenhum deles fazer um livro na base das anedotas? Afinal, a anedota é uma das marcas mais fortes do comportamento do brasileiro. A grande vantagem que este Anedotas Populares leva sobre a piada contada é que ela não se esgota na narração: o leitor poderá divertir-se com a conclusão e, depois, com cada detalhe do desenho.
    Não há dúvida: Claudio Sendin descobriu a pólvora. Ou melhor: o óbvio ululante.”


ANEDOTA 4: Religiosos pregando a Bíblia.



4 • ELES SÃO UNS GATOS! • Aventura na selva

Para os gatos daqui de casa, o jardim é uma verdadeira selva!
É preciso estar sempre alerta!

Concentração absoluta! 

Caminhando sorrateiro e lentamente...

Olhando em todas as direções!

Sem deixar que nos avistem!

Pois nunca se sabe de onde vem o perigo...

5 • TEMAS DIVERSOS • Propaganda com humor



A seguir, três campanhas publicitárias criadas e produzidas por Sendino em seu estúdio. Ambas de pequenos anúncios, usando humor como approach
Duas são ilustradas com cartuns: a campanha do restaurante Ernesto, na Lapa, Rio de Janeiro, e a de Trilhas e Rumos, fabricante de mochilas, agasalhos e outros materiais esportivos
A terceira, dos produtos Divino, para confecção de bijuterias, embora usando humor, foi ilustrada com fotos dos produtos, feitas diretamente no scanner.



6 • INFORMAÇÕES PROFISSIONAIS • Sendino

SENDINO
(Claudio Fabiano de Barros Sendin)

• Diretor de arte publicitário, trabalhou em Criação, nas principais agências do Rio de Janeiro, de São Paulo, e num estúdio de publicidade em Barcelona. 
Durante essa fase, participou da criação de campanhas publicitárias para muitas empresas e instituições importantes, entre elas: Volkswagen, Vasp, Gillette, Coca-Cola, Banco do Brasil, Petrobras, Merrel (Cepacol), Fleischmann Royal, Bradesco Seguros, Prefeitura do Rio de Janeiro. 
Algumas dessas campanhas e peças isoladas receberam medalhas de ouro, prata e bronze, no Prêmio Colunistas.

• Cartunista publicitário, criou personagens bem-sucedidos para publicidade, como Bond Boca, da Cepacol, em parceria com o redator Alexandre Machado, e o Bocão, da Fleischmann Royal, em parceria com a equipe de marketing da Norton. Criou todos os cartuns da campanha Minimania, para a Coca-Cola e Bob’s.

• Cartunista editorial, ilustrou muitas matérias e criou uma capa na revista Domingo (do antigo Jornal do Brasil). Na revista Veja Rio, criou 16 capas, muitas ilustrações de matérias, e ilustrou com charges as crônicas do crítico musical Sérgio Cabral, durante mais de 5 anos. Para o jornal O Globo, criou muitas capas para os Cadernos Vestibular

• Diretor de arte editorial, fez os projetos gráficos de várias revistas corporativas: Hospedagem Brasil (para a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis), Rumos Práticos (para o Conapra – Conselho Nacional de Praticagem), Paissandu Notícias (para o Paissandu Atlético Clube – RJ), Biólogos (para o CRBio-02 – Conselho Regional de Biologia), Revista da Casa de Eapaña (Órgão de divulgação da cultura espanhola no Rio de Janeiro), e Revista do Clube Naval (Para o Clube Naval do Rio de Janeiro).  

• Autor de três livros de cartuns: 
A fábrica e o povo (Massao Ohno – Ricardo Redisch Editores), com cartuns que ilustram um texto de Eça de Queirós.
Viagem de volta, (Repro–SP), com desenhos surrealistas de aviões inspirados nos Beatles, e poemas de Nei Leandro de Castro inspirados nos desenhos e nos Beatles.
Anedotas populares (Editora Taurus), com cartuns em forma de quadrinhos sobre anedotas contadas pelo povo.

• Contato com Sendino, através do e-mail:

sendino.claudio@gmail.com

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

1 • ARTIGO • Metas e conquistas

METAS E CONQUISTAS

Para dar ânimo e sentido à vida, há quem considere imprescindível ter-se um objetivo, uma meta a alcançar. Desde as relativamente simples, que terminam quando alcançadas, como a compra de um carro ou estudar para aprovação no exame, até as grandes metas, que se transformam em ideais e perduram por muito tempo ou pela vida toda. Quem sonha em ser um grande médico, ainda que consiga, terá de manter a chama acesa pelo resto da vida, aperfeiçoando-se sempre.
A maioria dos anseios pessoais objetivam a conquista de bens materiais ou de status social. São resultantes da educação adotada nas sociedades, que estimula as crianças a “vencerem na vida”, competindo umas com as outras. Tornar-se um “vencedor”, provavelmente seja o mais forte condicionante das mentes infantis, processo esse que faz parte do egoísmo humano. Crianças formadas sob uma educação assim, quando adultas lutarão pela conquista de poder e riqueza, e muitos não hesitarão em pisar nos “adversários” para alcançar o objetivo.
Essa terrível competição é estimulada em todos os setores. Na economia, no comércio e na indústria, empresas criam metas cada vez mais competitivas e agressivas. Nações competem pela supremacia econômica, ideológica e bélica, a ponto de se destruírem mutuamente. Esse processo acabou tornando a humanidade infeliz, medrosa e violenta, e mesmo assim, todos continuam perseguindo seus ideais de enriquecimento pessoal, competindo agressivamente para alcançá-los.
É bem verdade que existem pessoas com objetivos bastante saudáveis, tanto pessoais quanto empresariais. Muitos almejam realizações altruístas e úteis à vida, em prol da coletividade. Algumas empresas projetam metas de crescimento baseadas na melhora da qualidade de seus produtos, colaborando assim para o progresso industrial. Somente quando esse crescimento é baseado no estímulo ao consumismo, convencendo emocionalmente as pessoas, através da publicidade, a comprarem o que não precisam e até o que lhes é nocivo, torna-se evidente a manifestação maléfica do egoísmo humano.
As metas empresariais são quase sempre projeções das individuais, de seus empresários dirigentes. São, portanto, consequência da formação cultural e da evolução espiritual de cada um. Quem já superou, pelo menos em parte, o egoísmo, não se deixa mais levar pela tendência global da competição desenfreada. Tanto em seus anseios individuais quanto de suas empresas.   
Um grande problema para quem coloca uma meta a ser alcançada é o tempo. A ansiedade cobra dedicação e perseverança ininterruptas, mas ainda assim acontecem imprevistos no percurso e quase nada sai exatamente como o esperado. Finalmente, quando não se tem êxito, decepções e desilusões levam à frustração e estresse, principais danos emocionais provocados pela ansiedade.
Durante o tempo em que se anseia por uma conquista, costuma-se pensar nisso a maior parte do dia e por vezes da noite. Alguns chegam a se esquecer de compromissos importantes e negligenciar inteiramente as pequenas tarefas cotidianas, fundamentais na vida de qualquer pessoa. Há quem fique tão obcecado por correr atrás do que pretende, que não consegue mais dar atenção aos familiares e amigos. A solidariedade e a ética tornam-se menos importantes do que o objetivo a alcançar. Uma conduta que causa inúmeros transtornos.
Busquemos então conscientizar esse mal.
Quando se tem uma meta a alcançar, é preciso evitar de tornar-se seu escravo. Poderá guardá-la “num canto da mente”, como diz o verso de Djavan, deixando que a inteligência inconsciente cuide do resto, e todos os passos, então, serão convergidos na sua direção. Em nada adiantará a ansiedade, pois não há tempo marcado, nem um caminho previamente traçado em diração à cobiçada conquista. O caminho irá se moldando às contingências da vida.
Assim, sem as constantes e prejudiciais cobranças da ansiedade, é possível concentrar-se nos compromissos do dia a dia e atividades rotineiras, buscando fazer com perfeição cada detalhe. Até mesmo as tarefas mais banais, como lavar um copo, será motivo de concentração total, fazendo isso com prazer e da melhor maneira possível. Como também caminhar pelas ruas, simplesmente reparando nos movimentos dos veículos e pessoas, nos formatos das árvores ou nos contornos das montanhas, admirando a beleza do Sol refletido nas vidraças, enfim, em tudo o que acontece à volta. Procedendo assim, não haverá espaço para ansiedade ou qualquer pensamento negativo.
Esse agradável e sadio passa-tempo leva também à constatação de que não é possível atuar no passado ou no futuro, pois a única oportunidade de movimentar a vida está no momento presente. É num momento que alguém puxa o braço e salva outra pessoa. É num momento que se desequilibra e cai. É também num momento que uma ideia traz a solução de algum problema.
Quando se está livre de qualquer ansiedade, sobra tempo para apreciar o que se passa no presente, certo de que a correnteza dos acontecimentos, durante esse tempo, está “empurrando” a vida na direção do objetivo sonhado. Essa certeza traz uma agradável sensação de bem-estar. É a chamada paz de Deus, para os religiosos. É a mente tranquila, para os iogas.
Entregar o que se almeja conquistar ao inconsciente, portanto, significa o mesmo que entregar a Deus. Ou, para os que consideram que tudo é energia em movimento, significa entregar à Natureza.
Espiritualistas recomendam atenção à Lei do Retorno, que atua na energia mental como uma extensão da terceira lei de Newton: “a toda ação corresponde uma ação contrária, de igual intensidade”, também chamada de Lei de Ação e Reação.
Segundo a Lei do Retorno, “cada vibração de energia mental emitida determina uma consequente reação vibratória contrária e de igual intensidade.” Esta lei é fundamentada na dualidade matéria-energia, demonstrada pela Física Quântica. Ora, se em última análise as metas são formadas de desejos, e portanto movimentos de energia mental, certamente estão regidas pela Lei do Retorno (por muitos chamada de Lei do Karma).
Assim, tudo o que se almeja, requer o prévio cuidado de examinar se terá consequências positivas ou não. Em outras palavras, se atende a vibrações mentais do egoísmo pessoal ou a vibrações mentais de um desejo altruísta. Quando a meta proposta, presumidamente, for prejudicial a alguém, a um povo, aos animais ou à ecologia, ainda que prometa um grande lucro financeiro, energeticamente terá consequências maléficas. O inverso também é verdadeiro. Se a realização almejada auxiliar alguém, uma população ou a ecologia, o retorno será uma energia de felicidade e paz interior, independentemente do possível lucro material.
É bom realçar que tais cuidados, por serem também éticos e humanistas, fazem sentido igualmente entre os agnósticos ou ateus, desde que se importem com o bem-estar coletivo.
Concluindo, é certo que os objetivos simples e imediatos são indispensáveis, necessários à sobrevivência. Mas só é compensador ter-se uma grande meta – que realmente dá mais ânimo e sentido à vida – quando ela também for útil à humanidade. 

Mande sua opinião,
ela será muito bem-vinda.
Envie para:

sendino.claudio@gmail.com 



2 • HISTÓRIAS DAS COISAS • Pitinha cor de canela



PITINHA COR DE CANELA

Pitinha é pequenina, tem de altura pouco mais que um polegar, uma tampinha branca toda furadinha, e o resto do corpo transparente. Por isso, depois de cheia de canela em pó, fica da cor da canela. 
Ela foi parar ali, nem sabe como. Só sabe que adorava o seu trabalho diário no grande evento do Café da Manhã. Atuava na arena, diante de um grande público, pulverizando a sua canela sobre a banana amassada. Era sempre aplaudida pela destreza em espalhar o pó uniformemente por toda a superfície, antes que a colher, protagonista do evento, viesse com a granola. Quando esvaziava, a colher tornava a enchê-la de canela até a borda. Pitinha não perdia uma apresentação sequer, e já se tornara uma personagem conhecida do grande público do Café da Manhã.
Tudo isso são recordações que não saem da sua cabeça. Eram tempos muito felizes. Mas de repente, sem nenhum aviso, um pote amarelo de canela, comprado no supermercado, foi posto ao seu lado. Disseram apenas que a venda de canela a varejo havia acabado, e dali em diante seria usada uma marca comercial. E ponto final. 
Pitinha, desolada, ao ver o pote amarelo ser levado para fazer o trabalho que ela sempre fez, entrou em profunda depressão. Agora ela passa dias e noites na prateleira, vazia, imóvel, sem ter o que fazer, e ainda tem que se dar por muito feliz de não ter sido jogada no lixo. Nunca mais a canela, nunca mais a banana amassada, nunca mais os aplausos do público. 
Sua vida, desde a vinda do Amarelo, tornou-se completamente inútil. A única esperança que ainda lhe restou é que o pote Amarelo algum dia se esgote, e a canela volte a ser vendida no varejo.
 Toda manhã, o Amarelo é levado para o Café da Manhã, e quando termina a apresentação, novamente colocado ao seu lado. Os dois ficam a tarde e a noite lado a lado, sem trocarem uma palavra. A cena se repete por semanas, e nada de se esgotar a canela do Amarelo. 
Mas hoje, de repente ele resolve puxar assunto: “Antes de mim era você quem fazia esse trabalho, não é?” 
Pitinha estremece. Há muitas semanas ninguém falava nada com ela, por isso fica confusa: “Hem? O que disse?”
Amarelo é muito amável: “Eu já ouvi falar muito em você. O público lá do estádio até reclamou a sua presença! Você é muito querida!”
“É mesmo?” – Pitinha chega a esboçar um sorriso.
“É sim. E eu sei o que houve, você era de uso contínuo, e acabou-se a venda de canela no varejo, já me contaram.”
Pitinha sente que o amarelo deseja se aproximar, e na situação em que ela se encontra, uma amizade lhe faria muito bem. Por isso, responde sinceramente: “É verdade. Eu adorava o meu trabalho, mas acho que chegou o meu fim. Já perdi a esperança, o espetáculo agora é todo seu.”
“Mas tem uma coisa, eu não sou recarregável, como você.”
“Ah, não? Quer dizer que quando acaba a sua canela...” – Pitinha deixa frase incompleta de propósito.
“Não morro não, eu me incorporo em outro pote. Quem sabe, no pote novo que seu dono comprar?” 
“Ah...” – Ela balbucia, desiludida. Agora acabou de vez a esperança de conseguir canela quando o Amarelo se esgotar. Mas responde, fingindo alegria: “Que legal!” – E continua: “Então você tem sempre uma casa para morar! Não depende de seu dono encher seu corpo de canela! Isso é muito bom!”
Apesar de tudo, os dois ficam amigos. Dali em diante, sempre que Amarelo volta de sua apresentação, conta as novidades para a amiga. Diz que o público já se acostumou com ele e também o aplaude, o que provoca em Pitinha uma pontinha de inveja, mas que ela logo transforma em admiração: “Ah, sinal que você está atuando muito bem!”
Semanas e semanas vão passando.
Mas um dia ele voltou cabisbaixo: “Hoje eu dei uma vacilada! Joguei canela fora da banana, na borda do prato. Caiu até na toalha! Foi um vexame, o público vaiou...”
“Ah, coitadinho! Mas amanhã você vai ser novamente aplaudido, o público esquece!”
Pitinha estava sendo sincera. Durante esse tempo de convívio, já se convencera de que seria sempre conservada, seu dono jamais a jogaria no lixo. A amizade do Amarelo, portanto, era tudo o que tinha, e bastava para fazê-la feliz. Pitinha começava a compreender que uma amizade é tudo na vida.
Mas chegou o dia do Amarelo se esgotar: “Acabo de usar meu último restinho de canela. Agora estou completamente vazio.” – E calou-se.
“Oh, meu Deus!” – Exclama Pitinha, aflita – “O que vai ser de você?”
Por coincidência, neste exato momento abre-se a porta do armário e um outro pote, também amarelo, o substitui.
Por um momento Pitinha fica ainda mais assustada, mas a voz do novo Amarelo a tanquiliza: “Olá, Pitinha! Sou eu de novo!” 
“Você trocou de corpo! Como é que pode?” 
“Foi como eu lhe disse. Seu dono comprou um novo pote e eu passei para o seu corpo! É sempre assim, isso é normal na minha espécie.”
A amizade continua, mais firme do que antes. Correm os meses e a troca de corpos sempre se repete, mas Pitinha já não se assusta. Sabe que o seu amigo Amarelo sempre vai para o pote novo. Aquilo se torna natural e rotineiro.     
 Porém, certo dia, enquanto o Amarelo se apresentava no Café da Manhã, eis que acontece o que Pitinha já achava impossível: é colocado ao seu lado um saco cheio de canela, comprada no varejo!
Pitinha tem um choque emocional. Não sabe se fica feliz ou infeliz. A amizade com o Amarelo já era sólida, não concebia mais viver distante dele. Por outro lado, a volta aos velhos tempos dos aplausos do público, também a deixa fascinada. Emoções adormecidas, agora novamente despertam. 
Assim que o Amarelo volta, ao ver o saco de canela, compreende tudo. Mas não se abala. Calmamente, dirige-se à amiguinha: “Pitinha querida, você agora vai reinar novamente. É o que sempre quis, não é?”
Pitinha desaba a chorar, e tanto, que nem pode falar. 
Amarelo lhe diz, ternamente: “Querida, não chore, eu sei que suas lágrimas são porque preza muito a nossa amizade. Mas é a sua vida que retorna! É motivo de felicidade!”
Pitinha, com esforço, consegue dizer: “Eu não quero lhe perder! Você é muito importante para mim! Eu morreria de tédio se não fosse a sua amizade!”
“Mas, querida, nós vamos continuar amigos! Vou para o supermercado, pertencerei a outra família, mas a sua lembrança nunca vai se apagar!”
Amarelo continua a atuar por mais alguns dias, até se esgotar completamente. Mas dessa vez não há outro pote para substituí-lo. Em vez disso, uma colher vai retirando a canela do saco de plástico e colocando no corpo transparente de Pitinha, até ela ficar da cor da canela, como há tanto tempo não ficava. Depois é levada diretamente para o Café da Manhã, onde o prato de banana amassada a espera, como nos velhos tempos. Logo que começa a atuar o público a reconhece, e aplaude calorosamente. Emocionada, Pitinha quase erra, mas logo vê que não perdeu sua prática, e faz o trabalho com perfeição.
Na volta, não encontra mais o Amarelo. Como ele próprio avisou, foi para o supermercado, num novo corpo, talvez para uma nova casa, uma nova família. Mas assim mesmo, a alegria da reestreia é superada pela saudade do amigo, e ela desanda a chorar. Aos poucos, com muita dificuldade, agarra-se à ideia de que esse é o seu destino, é o que sempre sonhou. Precisa se conformar somente com a lembrança do amigo. Acaba se consolando, ao imaginar que o amigo Amarelo, seja lá onde estiver, a terá sempre na memória. E aprende que a amizade não acaba com a distância.
O tempo passa, com atuações cada vez mais brilhantes de Pitinha no evento do Café da Manhã. Ela agora é uma artista consagrada e querida do grande público, que passa a apelidá-la de Pitinha Cor de Canela. 
Cada vez que Pitinha Cor de Canela volta para sua prateleira, lembra-se do amigo Amarelo, e conversa com ele mentalmente, sempre desejando que ele seja muito feliz na nova residência.
Já três sacos de canela foram comprados até agora, sendo que cada um dá para quatro recargas, ou seja, dois meses de apresentações diárias no evento. O terceiro esgotou-se há doze dias, portanto Pitinha está quase vazia. 
Hoje como sempre, esmera-se na apresentação e é muito aplaudida. Volta cansada e vai para o seu aconchego na prateleira do armário. Amanhã chegará o novo saco de canela para reabastecê-la. Passa uma noite tranquila, sonhando com o amigo distante. 
Quando amanhece, Pitinha volta-se para trás e nada de enxergar o novo saco de canela. Era certo de encontrá-lo, pois está mais do que na hora de ser recarregada. Mas, de repente, uma surpresa totalmente inesperada: um pote amarelo é colocado ao seu lado. “Meu Deus! Não é possível! Não acredito no que vejo!” – Diz para si mesma, enquanto ouve aquela voz inesquecível: “Olá, Pitinha. Sou eu de novo!”
Acredite ou não, o seu amigo Amarelo está de volta. Pitinha chora muito, mas desta vez de felicidade: “Que bom! Que bom que você voltou!” – E os dois se abraçam demoradamente. Agora mais calma, pergunta como ele fez para conseguir voltar no momento certo da sua recarga. Amarelo diz que foi uma mistura de intuição com coincidência. 
Explica: “Eu vivia na casa de uma família, longe daqui. Mas vivia pensando em você, e ontem, quando me esvaziei, tive a intuição de que seu dono iria ao supermercado comprar mais sacos de canela. E por coincidência, não havia canela a varejo nesse dia. Eu então me transportei para um dos potes de lá. Fiquei na prateleira, rezando para seu dono me escolher...”
“Você está brincado. Quer dizer que meu dono escolheu você no meio de todos os potes amarelos?” – Pergunta Pitinha, verdadeiramente deslumbrada.
“Isso mesmo! Foram duas coincidências: a de faltar canela no varejo e a de seu dono me escolher!”
“Coincidências não existem!” – Pitinha afirma, convicta. “Foi atração mental!” – Nesse instante ela aprende que as amizades se atraem. 
Dali em diante, passam a viver períodos alternados. Quando há canela vendida a varejo, ela se apresenta todos os dias no Café da Manhã. Quando falta, o amigo sempre arranja um jeito de aparecer. 
Pitinha Cor de Canela e o Amarelo, agora também famoso, são amigos inseparáveis.

Mande sua opinião,
ela será muito bem-vinda.
Envie para:

sendino.claudio@gmail.com