CAFÉ DA MANHÃ
História 15
O FIM DA ERA DOS RECORDES
(Continuação de Trapaças do destino)
O Torneio de Tirinhas e o Torneio Uno foram suspensos por algum tempo. E não era para menos: logo após a morte da Fininha o desânimo tomou conta de todos, e as apresentações dos facões Prata, Dourado, e da faquinha Azul, não tinham mais vigor, deixaram de atrair público. Mas agora, com a súbita e trágica morte do facão Rebite Dourado, a situação ficou insustentável. Aí mesmo é que o Rebite Prata e a faquinha Azul, os únicos protagonistas ainda vivos, sentiram-se totalmente incapacitados de atuar. Só sabiam lastimar e chorar a perda do amigo, o tempo todo recolhidos em sua gaveta.
Mas felizmente essa inanição não durou muito. O passo para a retomada das atividades foi dado pelo Rebite Prata, depois de uma longa conversa com a Azul. Prata concluiu, muito acertadamente, que o melhor a fazer era reativar as apresentações: “Essa é a nossa vida, não devemos abandoná-la nunca, minha querida.” – Dizia Prata repetidas vezes.
E Azul acabou se convencendo: “Acho que você tem razão, meu amigo. Não podemos sucumbir às fatalidades da vida, você está certo.” – Ao que Prata acrescentou: “Até mesmo por respeito ao saudoso amigo Dourado e à nossa inesquecível Fininha!”
Decididos, foram os dois ao escritório do Diretor de Eventos, que os recebeu com alegria: “Vocês estão na direção certa! Vamos varrer o passado e seguir em frente!”
A reabertura dos dois Torneios foi marcada imediatamente. A imprensa, logo comunicada, divulgou a notícia como uma bomba, e no dia da estreia o público lotou o estádio, coisa que não se via há muito tempo.
O primeiro Torneio a reiniciar as atividades foi o Uno, onde apenas uma fatia de pão de Quinoa serve de base para o queijo. A escolha desse Torneio, e não o principal, deveu-se a ter sido o que mais resistiu à fase de total desânimo dos protagonistas. Como o Uno exige menos técnica e concentração, o facão e a faquinha Azul conseguiram ainda tocar algumas apresentações. A reestreia teve como protagonista a faquinha Azul, que se apresentou bem, sendo muito aplaudida. Já o retorno do Torneio de Tirinhas foi protagonizado pelo facão Rebite Prata, com uma atuação apenas razoável. A contagem final, muito aquém do recorde: apenas 20 tirinhas.
Seguiram-se apresentações diárias, revezando-se o Prata e a Azul. Ela tampouco melhorou a marca, conseguindo no máximo as mesmas 20 tirinhas, o que em outros tempos seria péssimo.
Como os queijos brancos nessa época estavam muito insossos, a faquinha Azul teve a ideia de acrescentar ao orégano um pouquinho de sal. Isso provocou muitos elogios do público final, consumidor das tirinhas.
A aprovação do público seria decisiva no futuro dos dois Torneios. Sempre foi grande a expectativa por uma quebra de recorde, na contagem final. Mas, depois de uma demonstração tão efusiva do público consumidor, o sabor, antes considerado irrelevante, passou a ser levado em conta. E de uma hora para outra, prevaleceu sobre a quebra de recordes.
Essa mudança provocou uma guinada radical no rumo dos dois Torneios. O Diretor, atento e esperto, aproveitou-se da nova tendência e instituiu o critério de julgamento pela opinião dos consumidores, não mais pelo número de tirinhas.
Imediatamente espalhou urnas eletrônicas por todo o estádio, para os torcedores marcarem suas notas durante a segunda parte dos espetáculos –, a da consumação de tirinhas. As notas seriam computadas imediatamente e o resultado seria exibido num telão.
A escala das notas ia desde as negativas, indicando tirinhas “Queimadas” e “Semiqueimadas”, às positivas, que variavam entre: “Boas!”, “Muito boas!”, ”Ótimas!” e uma quarta e inusitada opção: “Inesquecíveis”.
O novo sistema de julgamento funcionou além da expectativa, sinal promissor de sucesso. Foi a prova final de que a maioria do público não se importava mais com os recordes, desde que o sabor fosse bom.
Contudo ainda havia os que sentiam falta da emoção com a quebra de recordes. Reclamavam do novo critério nas redes sociais, argumentando que não eram cozinheiros e sim apreciadores de esporte e de arte. Em respeito a esses saudosistas, a faquinha Azul sugeriu e o Diretor imediatamente concordou, que a contagem de tirinhas e o registro de recordes continuassem existindo, embora não sendo o critério principal. Foi uma sábia e sensível decisão.
Dessa forma acabou a polêmica, e os saudosistas puderam prosseguir anotando o número de tirinhas em cada apresentação. Mas a esmagadora maioria queria mesmo é saboreá-las, e isso também requeria sutileza e sensibilidade – é o que alegavam os defensores da nova modalidade.
A grande mudança mexeu também com o treinamento dos protagonistas. Antes, empenhavam-se em estreitar o corte, aumentando o número de tirinhas para superar os recordes. O empenho agora concentrou-se em encontrar soluções para fazer as tirinhas mais saborosas e ganhar a melhor nota do público.
Tanto o Rebite Prata quanto a faquinha Azul começaram a cortá-las mais largas, contendo mais recheio de queijo, não importando que a quantidade delas ficasse abaixo de 20, o que em outros tempos seria humilhante. Mas em compensação, exigiam muito mais de si, quanto à precisão no uso do orégano e do sal, e do controle do tempo de aquecimento no forno.
Certamente agora, em ambos os Torneios, as tirinhas andam bem mais saborosas do que nos velhos tempos. E a bilheteria pouco a pouco vai arrecadando mais, para felicidade do Diretor de Eventos.
Como as notas são exibidas num telão, em tempo real, durante as apresentações, os protagonistas já ficam sabendo de sua eficiência antes de terminar o espetáculo. Em geral, a imagem do telão oscila entre “Boas!” e “Ótimas!”, para depois fixar a nota final. Nas raras vezes em que a final é “Inesquecíveis”, há uma total euforia, lembrando a época em que recordes mundiais eram quebrados.
Tudo indica que a “era dos recordes” tenha mesmo chegado ao fim...
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