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sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

• ARTIGO • A Grande Revolução



A GRANDE REVOLUÇÃO

Desde que um macaco, num estalo, teve o seu primeiro raciocínio, muitas revoluções aconteceram no transcorrer da História humana. Revoluções culturais, industriais, e principalmente políticas, essas fomentadas por líderes que prometeram uma vida melhor para o povo. A maior delas, no entanto, a Grande Revolução, está se formando, vagarosamente, e não será como as anteriores, impostas de fora para dentro. Nenhum governo será deposto, não haverá grandes mudanças nos costumes, não afetará a cultura nem a estrutura política ou econômica do país. Será uma revolução interna, espiritual. Atuará, sobretudo, na transformação dos pensamentos e dos sentimentos.
A humanidade está cansada de mudanças de regimes políticos, impostos por  fanáticos “fascistas” de direita ou “progressistas” de esquerda, que conquistam os trabalhadores com promessas de igualdade de classes e de grandes projetos sociais, dizem-se humanistas, mas disseminam ódio e fuzilam os dissidentes. Quando assumem o poder, seus líderes sentam-se num trono de ouro, e com mãos de ferro controlam o povo, retirando as economias e a liberdade dos que os apoiaram e os elegeram, deixando apenas o mínimo para não morrerem de fome, e ainda os obrigam a agradecer pela mísera vida que levam e a idolatrar o regime que os escraviza. Assim foram as revoluções políticas nos últimos milênios da História humana.
Mas a Grande Revolução, em vez de ódio, dissemina amor. Ela vem acontecendo através dos tempos, sorrateira, por baixo do pano dos poderosos, esgueirando-se por entre as brechas da maldade humana, por trás da viciada cultura acadêmica, da arte depravada e do ensino imoral. Não atende a nenhuma teoria filosófica, política ou religiosa, daquelas que se aprende intelectualmente e que só servem para demonstrar cultura, mais a serviço do egoísmo do que do altruísmo. Mas conhece a essência de todas elas.
Está em completo desacordo com a “nova ordem mundial”, com todos os regimes políticos, mas não os contesta, pois é como água, que desliza por entre as pedras e os espinhos da vida, penetra as almas dos seres humanos, fazendo germinar o amor, tornando-os altruístas, fraternos e colaboradores, ainda que em meio à vida louca das sociedades. E ensina que o importante é ter plena consciência do que se está pensando a cada momento e de como se está agindo com os semelhantes.  
A Grande Revolução acontece internamente, em meio a todos os regimes políticos, a todas as religiões, e faz ver claramente que os regimes devem permanecer como estão, os países comunistas continuando comunistas e os capitalistas sendo capitalistas. Mudanças de sistemas e regimes políticos só causam sofrimento ao povo e de nada adiantam, pois as pessoas de caráter dominador e explorador serão sempre as mesmas, dominadoras e exploradoras do próximo; as que têm preconceitos serão sempre preconceituosas; assim como as desonestas sempre agirão com desonestidade, sejam quais forem as leis do país. Nenhum regime político, nenhuma lei, nenhuma proibição, enfim, é capaz de pôr fim aos preconceitos, à exploração ou à desonestidade. As pessoas agem impulsionadas por suas emoções. Os seres humanos não são animais racionais, e sim emocionais. Usam de seus intelectos para racionalizar e justificar seus impulsos emocionais, estes sim, que os levam a agir. Quanto mais conhecimentos adquirem ao longo do tempo, mais facilmente são capazes de justificar suas atitudes emocionais, quase sempre egoístas e por vezes insanas.
Somente uma revolução interna, atuando diretamente nos sentimentos e não através de teorias, manifestos, postulados ou leis, poderá ter êxito em tornar as pessoas mais amorosas e fraternas, acabar com os preconceitos e a exploração, e fazê-las experimentar a alegria de serem honestas. Só então a igualdade de classes sociais será possível, pois todos enxergarão o próximo como um igual, seja rico ou pobre, viva aonde viver. Poderá ajudá-lo no que for possível, ou quem sabe merecer sua ajuda, se for o caso. 
Numa sociedade assim, não existirá luta de classes, pois a colaboração entre os seres humanos só produz satisfação. Espontaneamente acabará o consumismo, essa doença que faz cada um querer ostentar mais do que o seu vizinho, e julgar as pessoas pelo que possuem, não pelo que são. Ao se adquirir consciência de que pertencemos todos à mesma raça humana e, consequentemente, de que a vida será muito melhor num ambiente de ajuda mútua, todos desejarão sinceramente o bem de todos.
Só numa sociedade assim a riqueza será bem distribuída, segundo os valores verdadeiros de cada um. Será o fim da concentração de renda nas mãos dos dirigentes, como acontece nos países socialistas e comunistas, ou nas mãos de grandes empresários, como nos países capitalistas. E sempre às custas da pobreza do povo. 
A Grande Revolução vem sempre acontecendo, internamente, e dominará o mundo quando os revolucionários forem a maioria. Eles podem ser reconhecidos por sua lealdade com os amigos, por sua evidente honestidade e pela filantropia que praticam. É claro que muita gente usa a filantropia maldosamente, por interesse, como disfarce de seus atos corruptos. Outros, fazem caridade atendendo a dogmas religiosos. Mas consegue-se identificar os verdadeiros revolucionários, de alma pura, que seguem somente os ditames do coração. É possível reconhecê-los. São pessoas que vivem dispostas a colaborar, que se comovem com o desamparo, inclusive de animais, e com os que sofrem injustiças. Não, movidos por alguma ideologia, religiosa ou política, mas porque simplesmente não conseguem proceder de outra maneira. Seus instintos e seu coração já não suportam ver alguém realmente necessitado e não o ajudar, se estiver ao seu alcance. 
São verdadeiros revolucionários: um atleta bem-sucedido, que banca o desafio médico de operar um deficiente físico, cujos joelhos nasceram com as articulações invertidas; um dentista, cujo cliente não dispunha de dinheiro para a cirurgia, e o opera de graça; um médico, que estipula dias de atendimento gratuito em seu consultório; um grande empresário da área automotiva, que divide parte do lucro de sua empresa com seus operários; um grande corredor de Formula 1, que usa boa parte de sua fortuna para a construção de hospitais; um grande jogador de futebol, que doa grande parte do que recebe, para necessitados; um político, que abre mão de todas as mordomias, doando-as a uma instituição beneficente. Tais exemplos foram baseados em fatos reais, dos quais ouvimos o relato, em várias épocas.
Assim procedem as pessoas que superaram seu egoísmo, por isso não desejam mais se apossar de tudo, já conseguem ver o próximo como um ser humano igual, e já têm como ideal a harmonia e o bem-viver de todas as sociedades humanas. Por isso são, espiritualmente, revolucionários.
Quando se tornam políticos, trabalham em tempo integral a favor do povo, lutando por projetos sociais verdadeiramente úteis, pela melhoria dos serviços públicos, da Saúde e do Ensino, em todos os níveis, e também pela incrementação das relações cooperativas com todos os países, sem discriminação política. E só erguem a bandeira dos Direitos Humanos em nome dos cidadãos e suas famílias, não para proteger assassinos e estupradores, como acontece atualmente. Estão assim expandindo a Grande Revolução humanista e espiritual, nesse ambiente onde imperam o egoísmo e a desonestidade. 

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• HISTÓRIAS DAS COISAS • O Amassamento de Bananas

(Aqui, os personagens são objetos)



O Amassamento de Bananas

Durante a noite, Neninha chegou a sonhar que seria a escolhida. Fazia tempo que ela não conseguia participar; sempre as outras acabavam ficando na sua frente. Mas hoje, Neninha estava certa de que a vez seria sua, pois no seu sonho, o charmoso garfo Renê descia cedinho da gaveta de cima, onde morava, especialmente para buscá-la, oferecendo amavelmente o braço e a levando como seu par ao grande evento do Amassamento de Bananas
Esse é o evento mais importante do Café da Manhã, depois do Torneio de Tirinhas. Boa parte do público que assistiu ao Tirinhas aproveita para dar uma “esticada” ao Amassamento, que fica bem ao lado. 
O Amassamento de Bananas não deveria ser considerado um torneio, pois não há competição nem quebra de recordes. Mesmo assim o público comparece em massa para se deliciar com a habilidade dos garfos amassando as bananas e das colheres pulverizando a farinha. E no final da degustação, dá sua nota ao espetáculo, levando em conta a exibição do casal e também o sabor.
 Os garfos possuem estilos diferentes. Uns preferem o movimento rápido e forte, outros apenas deslizam em passadas suaves e lentas, amassando pequenas quantidades de cada vez. Percorrem depois toda a volta do prato, removendo as bordas da banana para o meio, numa espécie de bailado, que o público sempre aplaude. 
Finalmente entra em cena a colher, buscando no sisudo e mal-humorado Pote de Farinha a mistura de aveia e linhaça, e a espalha sobre a banana já amassada. Nessa etapa, também é muito apreciada pelo público os leves e precisos movimentos da colher, deixando cair a farinha de maneira contínua e uniforme. Já é de praxe, no final, a colher guardar um pouquinho de farinha para devolver ao Pote. Caso não sobre nada para devolver, todos já sabem que ele ficará irritado, não conseguindo se fechar direito, o que atrasa o evento e provoca risos no público. 
Repete-se essa rotina diariamente, o garfo amassando, a colher pulverizando, e o Pote exigindo, sisudo, a sobrinha final.
Nesta manhã, o sonho da colher Neninha foi uma predestinação. Tudo aconteceu exatamente como ela sonhou: o garfo Renê abriu a gaveta onde vivem as colheres, e foi direto convidá-a. Os dois saíram de braços dados, para a rotineira e romântica viagem aérea até a arena, na pia da cozinha. 
Nessas curtas viagens, eles apreciam do alto todo o aposento e têm tempo suficiente para conversar. Neninha lhe contou do seu sonho, e que pela manhã despertou certa de ser a escolhida. Renê achou-a encantadora, sorriu e disse que ela era a colherzinha mais bonita da gaveta. O romance entre os dois só não foi adiante porque logo aterrissaram na arena, onde os aguardavam as duas bananas e o Pote de Farinha, para iniciarem imediatamente as atividades.
A origem dos seus nomes, Neninha e Renê, remonta ao tempo em que os Renegados foram alvo de grande preconceito por parte dos Talheres Nobres. Houve entre os dois grupos, na época, uma disputa terrível e violenta. Com o passar dos anos, porém, os ânimos se acalmaram. Atualmente convivem em paz e se tratam cordialmente. Mas a designação de Renegados permaneceu, e seus nomes são quase todos formados por letras retiradas de “renegado”, como Renê, Nega, Neda, Gadô, e por aí vai.  Até hoje a única função deles é o Amassamento de Bananas, que o tempo transformou numa tradição da qual muito se orgulham. Os Renegados desempenham essa tradicional função com arte, competência e habilidade inigualáveis.
Nesse instante, o casal encontra-se em plena atividade do Amassamento de Bananas, com o público aplaudindo o garfo Nenê, que está num de seus dias inspirados. Após a retirada das cascas da banana, ele alterna os movimentos suaves do amassamento vertical (no sentido da banana), com vigorosas amassadas horizontais, deixando assim a banana totalmente pastosa, quase sem imperfeições. O público delira com a sua técnica impecável. 
É sempre deixada para o final a parte do “umbigo” da banana; ele contém em seu interior um fiapo preto que precisa ser descartado. Separar esse umbigo é uma tarefa difícil, pois a banana faz tudo para impedir. O fiapo preto possui sua “entourage” – pequenas partes da banana, tão fiéis ao umbigo que dão a vida para protegê-lo. É preciso muita habilidade do garfo, cortando em volta da entourage, sem feri-la, para isolar o fiapo preto. Quando consegue pegá-lo inteiro é um sucesso, e o público aplaude demoradamente. O fiapo é então descartado sobre as cascas depositadas na lixeira da arena.
Depois disso, Neninha entra em cena e cumpre seu papel com perfeição: retira a farinha do Pote, e forma com ela um tapete sobre a superfície da banana amassada. Reserva, como sempre faz, um pouquinho de farinha para devolver ao mal-humorado Pote de Farinha, que assim, satisfeito, fecha-se macio, sem reclamar. 
Agradecem os aplausos do público, que já começa a se retirar para assistir a parte final do Torneio das Tirinhas, na Arena do Consumo. Renê e sua parceira Neninha seguem para a segunda etapa do evento, onde Neninha volta a atuar, dessa vez com o Pote de Granola. 
Primeiro Neninha aguarda que o pequenino Pote de Canela cumpra a curta função de pulverizar canela no tapete de farinha, que ela formou sobre a banana amassada. Em seguida busca no Pote de Granola, a quantidade necessária para cobrir todo o conjunto. Os potes de Canela e Granola, ao contrário do de Farinha, são ambos muito simpáticos, permanecendo solícitos e amáveis o tempo que for preciso. 
Logo que termina essa última fase, Neninha corre para a borda do prato, de mãos dadas com Renê. Ficam atentos, para intervir a qualquer momento, caso haja necessidade.
Finalmente, a tabela de avaliação com as notas do público é mostrada no telão. Dessa vez ganham notas altas, sinal de que o público se deliciou com o espetáculo e também com o sabor da mistura. 

Quando termina o consumo, inicia-se nova viagem até a pia, onde os dois serão lavados. Nessa viagem, passam o tempo entrelaçados, amando-se, descompromissados de qualquer obrigação. O idílio amoroso dura até voltarem novamente às suas casas, cada qual na sua gaveta, a espera de uma próxima aventura...


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• HUMOR & CARTUNS • Cartuns de Papai Noel

Cartuns de Papai Noel.
Uma visão pessoal do Papai Noel, e a criação do Cartão de Natal 2008 para 
Trilhas e Rumos, fabricante de mochilas e jaquetas.




• ELES SÃO UNS GATOS! • Tapioca e Miguelito -Fases

Fases da vida do Tapioca e Miguelito. 
Ou: o gatinho que virou gatão.

• TEMAS DIVERSOS • Logo-Cartum Aerobanda


Esta é a marca da Aerobanda, empresa do grande compositor, músico e intérprete, Tavito, autor de muitos sucessos das décadas de 1970/1980, como Casa do Campo, Cravo e Canela e Rua Ramalhete, cuja letra vai a seguir.

RUA RAMALHETE

Sem querer fui me lembrar
De uma rua e seus ramalhetes,
O amor anotado em bilhetes,
Daquelas tardes.

No muro do Sacré-Coeur,
De uniforme e olhar de rapina,
Nossos bailes no clube da esquina,
Quanta saudade!

Muito prazer, vamos dançar
Que eu vou falar no seu ouvido
Coisas que vão fazer você tremer dentro do vestido,
Vamos deixar tudo rolar;
E o som dos Beatles na vitrola.

Será que algum dia eles vêm aí
Cantar as canções que a gente quer ouvir?

Quando Tavito me pediu que criasse a marca de sua empresa, o nome me sugeriu um logotipo não convencional, gráfico, mas a ilustração de um navio veleiro, que voava em vez de navegar, espalhando música pelo céu.

Assim fiz. Tavito adorou e adotou o veleiro voador como a marca de sua empresa. 


• INFORMAÇÕES PROFISSIONAIS • Sendino

SENDINO
(Claudio Fabiano de Barros Sendin)

• Diretor de arte publicitário, trabalhou em Criação, nas principais agências do Rio de Janeiro, de São Paulo, e num estúdio de publicidade em Barcelona. 
Durante essa fase, participou da criação de campanhas publicitárias para muitas empresas e instituições importantes, entre elas: Volkswagen, Vasp, Gillette, Coca-Cola, Banco do Brasil, Petrobras, Merrel (Cepacol), Fleischmann Royal, Bradesco Seguros, Prefeitura do Rio de Janeiro. 
Algumas dessas campanhas e peças isoladas receberam medalhas de ouro, prata e bronze, no Prêmio Colunistas.

• Cartunista publicitário, criou personagens bem-sucedidos para publicidade, como Bond Boca, da Cepacol, em parceria com o redator Alexandre Machado, e o Bocão, da Fleischmann Royal, em parceria com a equipe de marketing da Norton. Criou todos os cartuns da campanha Minimania, para a Coca-Cola e Bob’s.

• Cartunista editorial, ilustrou muitas matérias na revista Domingo (do antigo Jornal do Brasil), onde criou a capa sobre “mergulhadores procurando barcos naufragados na Baía de Guanabara”. Na revista Veja Rio, criou 16 capas, muitas ilustrações de matérias, e ilustrou com charges as crônicas do crítico musical Sérgio Cabral, durante mais de cinco anos. Para o jornal O Globo, criou muitas capas para os Cadernos Vestibular

• Diretor de arte editorial, fez os projetos gráficos de várias revistas corporativas: Hospedagem Brasil (para a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis), Rumos Práticos (para o Conapra – Conselho Nacional de Praticagem), Paissandu Notícias (para o Paissandu Atlético Clube – RJ), Biólogos (para o CRBio-02 – Conselho Regional de Biologia), Revista da Casa de Eapaña (Órgão de divulgação da cultura espanhola no Rio de Janeiro), e Revista do Clube Naval (Para o Clube Naval do Rio de Janeiro).  

• Autor de três livros de cartuns: 
A fábrica e o povo (Massao Ohno – Ricardo Redisch Editores), com cartuns que ilustram um texto de Eça de Queirós.
Viagem de volta, (Repro–SP), com desenhos surrealistas de aviões inspirados nos Beatles, e poemas de Nei Leandro de Castro inspirados nos desenhos e nos Beatles.
Anedotas populares (Editora Taurus), com cartuns em forma de quadrinhos sobre anedotas contadas pelo povo.

• Contato com Sendino, através do e-mail:

sendino.claudio@gmail.com

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

1 • CONTO • O país das maravilhas



O PAÍS DAS MARAVILHAS

Liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem.
Barão de Montesquieu

O empresário Bernardes Souto da Costa é um homem rico. Com pouco mais de 50 anos, os cabelos já grisalhos, tem um vigor de jovem e principalmente uma esperteza nata. Sempre gostou de dirigir e de possuir carros de luxo. 
Estaciona seu Audi A3 Sedan em frente à sua casa, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Havia marcado com a esposa de jantarem num restaurante, e já está atrasado, depois de passar a tarde conversando com o advogado, planejando sua defesa. Seu filho, um adolescente rebelde como o pai, resolveu recorrer à Justiça por ter sido proibido de fumar maconha em casa, evocando a Lei do Fascismo Paterno, iniciativa pioneira dos Direitos Humanos. 
Não pretende entrar na garagem, para nem olhar a cara do filho. Já telefonou para que a esposa saísse, mas ao saltar do carro, se depara com um cano de revólver encostando no seu peito. Um sujeito jovem e bem vestido vai logo dizendo:
“Não precisa fechar a porta! Passe a chave e os documentos do carro!”
Bernardes nunca fora assaltado em toda a sua vida. É a sua estreia, e talvez por isso ousa argumentar:
“Que direito você tem de me assaltar?” 
O assaltante mantém a arma apontada, e com a outra mão tira do bolso uma carteira. Quase a encosta no rosto do empresário, e diz, convicto:
“Assaltante profissional nº 32777 série B. Estou no meu direito. Passe logo essa chave! E a lei me dá direito aos documentos do veículo!”
Bernardes atende às exigências do assaltante. Nada mais resta fazer, pois a Lei do Assalto Urbano, outra grande conquista dos Direitos Humanos, havia sido aprovada recentemente no Congresso, e promulgada dias antes. 
Ainda bem que Bernardes é um empresário bem-sucedido, dono de uma rica empreiteira de obras. Vendo seu Audi se afastar nas mãos do assaltante, pensa que para ser possível comprar outro, terá de conseguir efetivar seu último negócio, uma obra estatal que lhe renderá alguns milhões. Calmamente, liga e pede à esposa que saía de casa com o Mercedes.
O custo da propina que pagará no dia seguinte ao deputado é relativamente alto. Mas o seu carro roubado, talvez sirva de argumento para pechinchar com o deputado uma redução da propina. Ambos são amigos e se consideram honestos, pois só trabalham com propinas que cumprem as exigências da Lei da Propina Limpa, que controla a porcentagem em relação ao custo da obra. 
No dia seguinte, o deputado o recebe em seu gabinete, onde já estava nas mãos de seu assessor o orçamento aprovado no Congresso. 
“Parabéns, amigo!” – Exclama Bernardes. “A aprovação foi mais rápida do que eu esperava! Como conseguiu?”
“Mumunhas, meu amigo, são minhas mumunhas... “
Então o empresário vai direto ao assunto:
“Temos um problema. Ontem fui assaltado, bem na porta de casa. Roubaram meu Audi. Vou ter que comprar outro, e você sabe que não é nada barato. Isso vai diminuir substancialmente o meu rendimento neste caso. Então, meu amigo, apelo para a sua amizade no sentido de me compensar, reduzindo um pouco a sua propina. Concorda?”
“Reduzir? Quanto?”
“Para cinco por cento.”
O deputado sorri. 
“Infelizmente não posso concordar. O destino dessa renda já está selado: é um ap para minha filha que vai casar mês que vem. Já está comprado. Não tenho como voltar atrás.” – Faz uma pausa, enquanto entrega o contrato ao empresário. – “Eu estou agindo com honestidade. E você já está ganhando bastante nesse superfaturamento!”
O empresário Bernardes dá uma rápida examinada no contrato: "A Lei da Sobrefatura me autoriza acrescentar irrisórios dez por cento nas notas fiscais dos meus fornecedores! E eu não coloquei um centavo a mais! Estou agindo totalmente dentro da lei! Você sabe que um carro do porte de um Audi A3 pesa na nossa balança. Para conseguir um carro do mesmo nível preciso realmente de uma redução da sua propina!”
“Somos amigos mas eu não faço filantropia. Se lhe assaltaram, não tenho culpa, é uma coisa que pode ocorrer com qualquer um de nós.”
 Aí o empresário Bernardes tem mesmo que apelar:
“E se eu lhe oferecer vinte por cento na próxima obra? Você reduz cinco por cento agora e recebe mais dez na próxima! O que acha? Você sabe que pode confiar em mim!”
O deputado retruca:
“Você também sabe que a lei não permite mais de dez por cento.”
“Ora, a lei! Tem sempre maneiras de driblar a lei, você conhece bem esse assunto! Posso colocar o excedente numa mala, deixar em algum lugar marcado... Isso se arranja!”
O deputado leva a mão ao queixo e reflete demoradamente. Depois volta-se para o empresário:
“Fechado! Pode preparar meu cheque.”
Em seguida coloca a mão no ombro de Bernardes e o olha bem nos olhos:
“Mas quero deixar claro: estou confiando na sua palavra. Você sabe que uma falsidade entre nós representa banir sua empresa de futuras licitações!”
“Não precisa me dizer isso! Jamais trairia um amigo! Principalmente você!” 
E tudo termina num demorado aperto de mãos. 


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2 • HITÓRIAS DAS COISAS • O Salvação da Lavoura

(Aqui, os personagens são objetos)



O Salvação da Lavoura

Nas três prateleiras do armário da copa habitavam todos os copos, de diversos tipos, formas e cores diferentes. A competição entre eles era grande. Tulipas chiques, ostentando no peito marcas de cervejas famosas, isolaram-se em uma coleção. Outras tulipas comuns moravam sozinhas em uma prateleira, e noutra os copos simples para água e para refrescos, de uso frequente na casa, não se misturavam com os de cristal, que também se mantinham em grupo fechado. Sofisticados e gorduchos cálices de vinho, ao lado de outros magricelos e altos, próprios para champanhe, disputavam a soberania do armário.
Mas um deles se destacava de todos, pela qualidade inferior do vidro e pela aparência de pobre, igual aos que são usados nos bares e botecos chamados de “pé sujo”, frequentados por bêbados que mal podem pagar uma dose de cachaça. Esse copo, tão simplório e tão sem importância, nunca era usado e vivia esquecido no canto da prateleira. No entanto, tinha o seu nome conhecido e comentado por todos: Salvação da Lavoura. 
Esse nome intrigava toda a comunidade, e a pretexto de esclarecer o mistério de sua origem, uns aproveitavam para lançar “farpas” nos outros: “Vocês têm certeza de que é esse mesmo o nome dele, ou isso foi inventado pelo copo de uísque, depois de algumas doses?” – Perguntava o cálice de vinho. 
O copo de uísque rebatia: “Não, eu não perco a noção das coisas só com um pouquinho de suco de uva fermentado! Ouvi muito claramente a nossa dona chamá-lo de Sal-va-ção-da-La-vou-ra. E mais de uma vez!” – Ao que o cálice retrucou: “Então me diga que tipo de lavoura aquele esfarrapado pode ter salvado, para ter esse nome?”
E todos deram boas risadas.  
Havia também um outro copo bastante humilde, chamado de Queijão, originário de um simples pote de requeijão, mas que devido à sua simpatia, conquistara a amizade de todos, inclusive do Salvação da Lavoura. Era o único que mantinha com ele uma relação mais próxima. Queijão ouvia os comentários maldosos sobre o amigo, mas não contava nada a ele. Nem se atrevia a perguntar a origem do estranho nome, por respeito, com receio de constrangê-lo. Mas depois dessa última gozação geral, criou forças e foi conversar com o Salvação.
Encontrou-o isolado lá no fundo da prateleira, quieto como sempre, e com poeira por falta de uso.
“Olá, amigo. Vim para conversar um pouco, tudo bem?” 
“Você é meu único amigo, tenho sempre prazer em recebê-lo” – Disse, muito formalmente, como é o seu modo de ser. Queijão já se acostumara a essa formalidade, e talvez fosse isso que o impedia de estreitar a amizade. 
Mas dessa vez, Queijão estava decidido: “Quero lhe fazer uma pergunta indiscreta...” 
“Fique à vontade!” – Respondeu Salvação. – “Pergunte o que quiser, mas vou logo avisando que tenho pouca instrução, por isso não garanto uma boa resposta!”
Queijão deu um risinho, vacilou um pouco, mas tomou coragem e foi direto ao assunto: “É uma pergunta muito indiscreta. Tenho curiosidade de saber quem lhe deu esse nome – Salvação da Lavoura?”
Ao contrário do esperado, Salvação não se irritou. Disse sorrindo: “Você quer mesmo saber? Talvez ache uma história sem graça...”    
O amigo reafirmou sua curiosidade e Salvação começou a contar a história da sua vida: “Eu morava num lugarejo, no meio do mato, tão pobre que nem sequer tinha nome, mas ficava no Rio de Janeiro, caminho de Parati. Ali eu vivia com meu dono, um velho que vendia bugigangas numa vendinha de pau a pique coberta com sapê. Conhecia só uma estradinha de terra, nunca tinha visto asfalto.”
Todo dia era igual: uns três ou quatro fregueses, no máximo, compravam alguma coisa: bananas, tomates e umas verduras que meu dono plantava. E cerveja. Ele vivia principalmente de vender cerveja, pois um fornecedor passava de caminhão uma vez por semana, e reabastecia a venda. A cerveja toda era consumida por uns beberrões que moravam por perto.
Eu e mais dois copos iguais a mim servíamos aos bebedores de cerveja, quase toda noite. A gente passava os dias numa prateleira, em cima de uma geladeira velha, que fazia um barulhão enorme para funcionar. Essa era minha vida, e eu não tinha esperança alguma de que ela fosse mudar. Mas um dia, ou melhor, uma noite, eu e meu dono acordamos com um farol de carro, quase encostado na porta da venda, e com duas buzinadas fortes. O meu dono, que já estava quase dormindo, deu um pulo da cadeira e correu para a porta.
Pensei: “O que será que alguém quer a essa hora da noite?” – Meu velho dono conversou com eles algum tempo e depois entraram. Era um casal de jovens.  
O velho me pegou e me mostrou para a moça: “Só posso vender esse aqui. Serve para a senhora?”
A moça arregalou os olhos e exclamou: “Mas claro que serve! Vai ser a salvação da lavoura!” Em seguida, pagaram ao velho e me levaram, sem nem sequer me embrulhar.
Passei aquela noite num delírio completo. Pude notar que era o único copo que dispunham, por isso eu era enchido não sei quantas vezes de vinho e depois de cerveja. No fim, até gin eu tive que levar às duas bocas – da moça e do rapaz –, que naquela altura já haviam largado o carro e estavam fazendo sexo numa barraca de acampar. Encheram a cara com várias bebidas e finalmente dormiram, me largando na areia, no
canto da barraca.
O dia seguinte amanheceu ensolarado, e o casal dormiu até bem tarde. Pensei no que fariam de mim, e fiquei com medo de ser abandonado naquele lugar deserto. Senti uma saudade enorme da segurança do meu canto, do velho, da venda e da prateleira. Como é bom ter uma casa! 
Mas antes que me desesperasse, a moça acordou, sonolenta, me achou no chão e me abraçou contra o peito: ‘Olha, querido, que lindinho ele é! O seu nome agora vai ser Salvação da Lavoura!’
Pronto. Eu estava batizado.
Depois, fui levado para a mochila, viajei quase meio dia na mala do carro e acabei num lindo apartamento. Minha dona me deu um beijinho e me colocou num armário envidraçado, na cozinha, ao lado de muitos outros copos, todos chiques, a maioria de cristal. 
Vivi nesse apartamento muitos anos, tratado sempre com muito carinho pela minha dona. Ela me usava quando estava sozinha, mas quando o namorado chegava, preferia usar os outros copos mais chiques.” 
“E como você veio parar aqui nesta casa?” – Perguntou Queijão, muito curioso.
“Muita coisa aconteceu desde então!” 
Mas nesse instante, Salvação percebeu que a porta do armário começava a ser aberta, e resolveu encerrar o assunto: “Eu lhe conto o resto mais tarde.” 
As mãos de uma senhora pegaram as tulipas da coleção com imagens estampadas, na prateleira de cima, e a porta foi novamente fechada. Era sinal que tinha visita em casa. 
“É ela! É a mulher da história que contei!” – Exclamou Salvação. 
“Mas essa é a nossa dona! Ela já é uma senhora!” – Respondeu, surpreso, o amigo. 
“O que eu lhe contei passou-se há mais de trinta anos!” – Disse Salvação, com um pouco de tristeza na voz. E concluiu: “O tempo causa mais estrago nos humanos do que em nós, eu já percebi isso...” 
Queijão nem ouviu direito esta última frase, atento ao movimento no interior do armário. Notou que os outros copos se aproximaram, provavelmente para tentarem ouvir o resto da conversa. 
Aproveitou-se então da situação para fazer uma aproximação entre eles: “Salvação da Lavoura, eu quero lhe apresentar os outros copos. Todos eles gostariam de conhecer você e por alguma razão até hoje viveram afastados. Mas agora eles vieram conhecê-lo. Ali está o copo de uísque, ao lado dele os cálices de vinho, os copos de água... Enfim, vieram todos.” 
“Muito prazer.” – Disse formalmente, como sempre, e todos responderam ao cumprimento. Foi um bom começo. 
Queijão então prosseguiu: “Estávamos aqui conversando e Solução da Lavoura contava a rica história de sua vida.”  
“Nós ouvimos tudo.” – Respondeu laconicamente o copo de uísque.
“Verdade? Vocês todos ouviram a minha história?”
“Você não queria, era segredo?” – Perguntou um cálice de vinho.
“De forma alguma! Eu sempre desejei contar, explicar esse meu nome esquisito... Estou feliz por vocês se interessarem por mim!”
Queijão, curioso, acabou com os rodeios: “Você dizia que a senhora nossa dona, é a mesma mulher que lhe adotou, na noite do acampamento. É isso mesmo?”
“Sim! E faz mais de trinta anos! Primeiro eu vivi no seu apartamento de solteira, até que eles se casaram, o namorado virou marido. Fui então levado para outro apartamento, bem maior. A sala era grande, e no armário tinha muito mais copos ao meu redor. Nesse tempo, ela e o marido ainda gostavam de mim, mas não me usavam mais. Eu notei que havia me tornado um objeto de estimação, não era mais simplesmente um copo. Volta e meia, quando minha dona abria o armário, me dizia baixinho: ‘Olá, Salvação da Lavoura!’ – Mas não me levava para a mesa. 
O seu marido também se mostrava feliz em me tocar. Mas na hora de usar, escolhia os outros copos... Só aos poucos eu consegui compreender e aceitar essa situação.  
Os humanos vivem muito das aparências, apesar de manterem ainda um lado afetivo. Com o tempo eu compreendi isso muito bem. Aprendi a ser feliz só por saber que eles ainda gostam de mim. Eu me satisfaço com isso. 
Também já aprendi que tenho uma vida maior do que a deles. Os humanos envelhecem rapidamente. Eu sou de vidro, eles de carne e osso. Um dia vão morrer, e se não me quebrarem, continuarei vivendo... Com outro dono, em outra família, mais pobre ou mais rica, não sei. Mas isso só tem importância para os humanos. Para mim não tem nenhuma.”  
Os outros copos, depois de ouvirem essas palavras, caíram em si: “Você tem razão. O rótulo do uísque que a gente transporta, ou a safra do vinho, só interessa mesmo aos humanos!” – Disse o pomposo copo de uísque. 

“São eles que vivem de aparência, nós não precisamos disso!” – Concluiu Salvação da Lavoura. E a partir daí, passou a ser tratado como um bom amigo por todos.


Mande sua opinião,
ela será muito bem-vinda.

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sendino.claudio@gmail.com

3 • HUMOR & CARTUNS • Villa Lobos

O maestro Villa Lobos

Desde os primeiros anos do ensino básico, as professoras exaltavam as pessoas importantes da História do Brasil, inclusive no campo das artes. 
Isso, muitos anos atrás. 


Imagine se, numa escola atual, a professora resolvesse perguntar aos alunos sobre esse grande compositor...
(Villa Lobos  viveu 72 anos. De 1887 a 1959)

4 • ELES SÃO UNS GATOS! • Amizades são alegres


Grandes amizades nascem da alegria.

A princípio, APARECIDO mantinha um ar de superioridade.

Aos poucos, CÉU conseguiu se impor.

Mas eles viviam rindo um do outro!

Assim, se tornaram grandes amigos.