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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

• HISTÓRIAS DAS COISAS – 7 • Rodinho Mignon


Onde os objetos são personagens. (Publicadas desde agosto de 2015.)



• EVENTOS PARALELOS

História 2
Rodinho Mignon

No grande espetáculo do Café da Manhã, além dos conhecidos Torneio das Tirinhas e Torneio das Tirinhas Uno, existem vários outros, uns mais, outros menos frequentados pelo público. O segundo mais conhecido é o Amassamento de Bananas, onde os garfos e colheres, antes renegados, são os protagonistas. Em seguida, na ordem de preferência, está a Lavagem da Louça, que na verdade é o mais antigo, com cerca de vinte anos.
Há também eventos secundários, menos importantes, como a Retirada da Bandeja do Forno, que tem como protagonistas a Pequena Toalha e o Pegador de Alumínio. Apesar de pouco frequentado é muito emocionante, devido ao grande perigo de se queimar, exigindo muita coragem e técnica apurada.
Merece também ser citada, ainda que não seja um evento público, a viagem aérea dos talheres que irão participar dos espetáculos. Colheres, facas e garfos saem juntos da gaveta e embarcam numa confortável aeronave, que os leva até as arenas de suas funções. Essa viagem é sempre prazerosa e útil, pois incentiva a amizade entre os Talheres Nobres e os Renegados, antigos inimigos, que passam a viagem inteira em conversas alegres e brincadeiras.
Outro evento secundário, mas igualmente interessante é a Limpeza da Pia. Esse evento encerra o espetáculo do Café da Manhã, e justamente dele é que vamos falar agora.
A Limpeza da Pia começa logo após terminada a Lavagem da Louça, quando a esponja é espremida no mármore da pia. O espetáculo tem como único protagonista o Rodo – ou Rodinho, como muitos chamam. A tarefa consiste em puxar para dentro da pia a água e pequenas migalhas de pão que sobraram dos espetáculos anteriores.
O nome Rodo, no masculino, é apenas por tradição. Atualmente, Rodinho é uma jovem, muito talentosa, que conseguiu seu lugar numa situação de emergência. Ela veio substituir às pressas o Rodo II, que foi expulso pela esposa do diretor de eventos, por mero capricho, sem motivo algum justificável.
O caso da expulsão do Rodo II foi muito estranho e reconhecidamente injusto. Ele havia sido contratado em substituição ao Rodo Pioneiro – o primeiro da clã –, que se aposentara por idade, falecendo logo em seguida. O Rodo Pioneiro foi o fundador do espetáculo Limpeza da Pia, tendo desenvolvido sozinho toda a técnica de atuação e também elaborado o seu regulamento.
Fazia parte de sua técnica dar seguidas “pancadinhas” no mármore, para se livrar da espuma, mantendo a borracha limpa, e por isso era odiado por um membro da diretoria que se opunha publicamente a esse procedimento. O tal diretor não achava necessário as “pancadinhas”, considerando esse gesto um exibicionismo vulgar. Mas a forte personalidade do Pioneiro jamais permitiu que se curvasse, e a técnica das “pancadinhas” existe até hoje.
Dizem que esse mesmo diretor, revoltado, obrigou o Pioneiro a se aposentar, mas a realidade é que ele tinha a idade avançada e estava bastante enfermo. Tanto que pouco depois faleceu repentinamente, de um enfarto fulminante. Dizem as más línguas, que para a alegria do diretor...
Contratou-se então um novo Rodo, batizado de Rodo II. Nas suas primeiras apresentações ele decepcionou. Devido ao seu tamanho avantajado era muito desajeitado, esbarrando sempre no porta-talheres, quase derrubando os copos, o que sempre causava mal-estar no público presente. Além disso, sua borracha era muito extensa e não vedava bem, por isso deixava falhas ao puxar a água. Enfim, tudo nele funcionava mal. A sua saída, desejada pelo público, era iminente para os dirigentes. O único que ainda o admirava era aquele diretor que odiava seu antecessor, pois Rodo II não costumava usar a técnica das “pancadinhas” do Pioneiro. 
Mas aconteceu com o Rodo II uma mudança radical e inesperada. Numa das apresentações, sua borracha desprendeu-se do corpo. Era para ter encerrado ali sua carreira, mas, para surpresa geral, ele não parou. Mesmo sem borracha, cumpriu a missão até o fim do espetáculo, e, por incrível que pareça, com ótimo desempenho, puxando a água com perfeição. Pela primeira vez Rodo II arrancou aplausos do público.
Então, era a borracha que o atrapalhava!
Daí em diante, ganhou senso de direção, não esbarrou mais nos copos, puxando a água sem deixar rastros, como nunca fizera antes, quando tinha borracha. O público, obviamente começou a se entusiasmar, e o evento se tornou cada vez mais frequentado. Todos queriam ver o “Sem Borracha”, como acabou sendo apelidado. Os dirigentes, felizes com a arrecadação crescente, o promoverem a Permanente, com poderes equivalentes ao falecido Rodo Pioneiro.
Porém, a esposa do diretor de eventos costumava sempre tomar suas decisões, atendendo somente a seus caprichos. Numa manhã, acordou pior do que sempre e decretou que nenhum rodo poderia atuar mais sem a borracha. Sabia muito bem que estava decretando o fim do Rodo II, mas assim mesmo “fincou pé” na sua decisão, por mais que todos lhe mostrassem o trabalho eficiente do Sem Borracha. Ignorando a todos, esbravejou: “Não quero aqui nada pela metade! Ou você coloca a borracha ou não pode mais atuar!!!” Foi dessa maneira estúpida que ela o demitiu e contratou no mesmo dia a Rodinho, uma principiante.
O diretor, com sérios problemas para resolver nos eventos principais, achou melhor não brigar com a esposa por causa de um evento secundário. Se ela queria que as coisas fossem assim... que fossem! Mas, pelo menos, em vez de jogar o Rodo II no lixo, como sua esposa determinou, ele facilitou, às escondidas, que ele se exilasse no armário do estúdio. E o Sem Borracha permanece lá até hoje.
A estreia da Rodinho, no dia seguinte, foi melhor do que o esperado. Rodinho era uma figurinha delicada, visivelmente vaidosa, exatamente o oposto de seu antecessor. O público logo a batizou de “Rodinho Mignon”. Vestia uma túnica branca bordada com um singelo galinho contornado de preto e crista vermelha. Uma gracinha, diziam todos. Quando começou a atuar, percebeu-se que sua borracha puxava a água com perfeição, por isso terminou muito aplaudida. Seu futuro era promissor.
Nas primeiras apresentações, Mignon parecia mais uma criança brincando com água, do que uma profissional atuando para o público. Mas aos poucos, dia após dia recebendo aplausos e elogios, acabou adquirindo segurança nos gestos, e substituiu a antiga técnica das “pancadinhas” por uma espécie de ”balanço”, onde todo o seu corpo batia de leve no mármore, em dois tempos, soando de forma agradável. E agradou realmente, e muito, tanto à plateia quanto à diretoria. O gesto criativo e exclusivo do “balanço” tornou-se a sua marca registrada.
Atualmente, durante os espetáculos, o público aguarda com ansiedade o momento do “balanço”, e a aplaude muito nessa parte do show.
Consagrada como uma competente profissional, Mignon soube conservar-se delicada e muito graciosa, durante e depois de cada espetáculo. Tem seu lugar assegurado entre os profissionais e artistas dos grandes torneios, e ajudou a transformar o curto espetáculo da Limpeza de Pia num evento mais conhecido e concorrido.

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