HISTÓRIAS DAS COISAS (objetos como personagens), são publicadas mensalmente, desde agosto de 2015.
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• GRANDES EVENTOS
História 4
A concorrente
(Continuação de Reviravolta no torneio – dezembro de 2015)
O Torneio das Tirinhas passou a ter apresentações intercaladas da
faquinha Azul e do facão Rebite Prata, após a sua volta da distante gaveta na
churrasqueira, onde estava exilado há anos, juntamente com seu inseparável
amigo, Rebite Dourado.
Conforme estabelecido no contrato, a volta do Prata previa
espetáculos sem datas regulares. Sua primeira apresentação foi de surpresa, com
pouco público, mas que o aplaudiu de pé. Essa surpresa, maciçamente divulgada
na mídia, iria angariar um público crescente, trazendo de volta o brilho e o
sucesso de tempos atrás. Assim pensavam o diretor de eventos e os
patrocinadores, agora que os infindáveis pedidos do grande público, nas redes
sociais, foram atendidos.
O grande ídolo estava de volta, mas as apresentações seguintes
foram, na maioria, da faquinha Azul, cada vez mais competente e criativa. O
Prata, ainda desanimado, quase sempre se recusava a atuar. A faquinha chegava a
implorar para que ele se apresentasse, em nome da amizade dos dois. Só assim
ele acabava consentindo, porém atuando de forma apenas regular, sem brilho.
O aumento de público foi muito abaixo do esperado. Pressionado
pelos patrocinadores por mais assiduidade e mais empenho nas apresentações,
Rebite Prata reconheceu sua má fase e prometeu fazer o possível. Ligou para seu
amigo Rebite Dourado, que ficara na churrasqueira, e fez um apelo dramático
para que viesse socorrê-lo.
Amigos são para essas coisas... Dias depois, o Dourado chegava à
gaveta da cozinha, recebido com muita alegria, inclusive pela faquinha Azul,
que se tornara amiga de ambos. Facão
Dourado avisou logo que desejava preservar seu anonimato, e somente se
apresentaria em caso extremo. Ainda assim, sua compania foi um grande
incentivo, uma injeção de ânimo, tanto que logo na apresentação seguinte, Prata
arrancou muitas palmas, com um desempenho primoroso, agradando ao público e
principalmente aos empresários.
Seguiu-se uma rotina de boas apresentações, sempre intercaladas
com as da faquinha Azul, que aprimorava sua técnica a olhos vistos. Esse processo
não passava despercebido do público, que agora se dividia, muitos achando que
ela superou seu mestre. Realmente, em vários espetáculos era mais aplaudida do
que o Prata.
Podia-se dizer que o Torneio das Tirinhas havia recuperado grande
parte da fama de outrora, mas era evidente que não chegou sequer a igualar o
antigo sucesso. Isso foi sentido sobretudo nos bolsos dos empresários, mas nada
restava fazer, pelo menos por enquanto...
Foi aí que a criatividade da faquinha Azul manifestou-se novamente.
Ela propôs uma nova modalidade para o Torneio das Tirinhas, com tudo diferente.
Batizou de “Torneio de Tirinhas Uno”, devido a não usar mais as duas fatias de
pão Árabe e sim uma fatia apenas do pão com Quinoa, que começara a ter grande
aceitação na residência. As tirinhas seriam em menor número e bem mais largas
do que as tradicionais, com o queijo por cima, descoberto.
A direção do evento permitiu uma apresentação experimental das
novas Tirinhas Uno. Quem sabe estivesse ali o sucesso que tanto desejavam...
E realmente a experiência prometeu sucesso. A reação do público
convidado especialmente para o evento foi tão positiva, que muitos vislumbraram
as Uno igualando ou até superando as tirinhas tradicionais. No entender dos
dirigentes, as Tirinhas Uno tinham potencial para se tornar o “torneio do
futuro”, e imediatamente efetivaram a nova modalidade.
Quem não gostou nada foram os dois facões, o Prata e o Dourado.
Não conseguiam aceitar uma mudança tão radical. A amizade entre eles e a
faquinha Azul foi estremecida, pois ela lhes pareceu interessada apenas na
busca do sucesso imediato. Então, como acontece com os honestos e
bem-intencionados, reuniram-se para uma conversa franca.
A faquinha jurou que nunca desejou levar vantagem nem descartou a
participação dos dois facões. Disse que sempre previu a inclusão de ambos no
novo projeto. Mas tanto o Prata quanto o Dourado deixaram claro que “jamais
participariam” de um torneio daquela natureza, o que certamente criaria um
grande problema.
Ao vê-los tão decididos, percebendo que poderia perder a amizade
de seu mestre, a faquinha Azul não teve dúvidas: optou por se afastar também e
permanecer ao lado deles. Indicou para a função a sua prima Fininha, nunca
chamada antes por ser muito frágil, sem a firmeza necessária para o corte. Mas
como o novo pão era muito macio e a tarefa de cortar bem mais simples, ela
conseguiria atuar, sem problema. E assim chegaram a um acordo.
A direção aceitou a sugestão da faquinha Azul de contratar Fininha
para atuar na nova modalidade, e tudo correu como previsto. A primeira
apresentação oficial do novo Torneio Uno, teve Fininha como protagonista, e ela
cumpriu com perfeição a tarefa de cortar as novas tiras e dispô-las na bandeja.
Felizmente foi muito favorável a reação do público.
Agora, podia-se a contar com duas opções: de um lado, o Torneio
Tradicional, mais frequente, onde continuaram revezando o facão Prata com a
faquinha Azul; ora um, ora outro se destacava, sendo que, na quantidade de
público, a faquinha superava quase sempre seu amigo. De outro, o Torneio Uno,
que ia aos poucos ganhando espaço, com a Fininha dando conta muito bem de sua
função. A concorrência entre os dois torneios era muito bem-vista pelos
dirigentes, naturalmente.
Fininha tinha a personalidade muito diferente de sua prima. Por
baixo de sua aparência tímida, era extremamente vaidosa, teimosa e prepotente.
Vendo-se com grande destaque na mídia, revelou-se: começou a agir como uma
grande estrela, exigindo um local especial na gaveta, separado dos outros
talheres, o acréscimo de meia fatia de pão, e autoridade absoluta sobre todo o
espetáculo. Até mesmo na hora de fazer as fotos para este artigo, Fininha agiu
com estrelismo: gritando com o fotógrafo, mandava repetir as fotos do ângulo
que se achava melhor, empurrava o pão mais para lá, mais para cá... O fotógrafo
não aguentava mais tanta “frescura”...
Essa atitude exacerbada, amplamente divulgada, acabou virando
motivo de chacota entre o público. O pote de orégano, que atuava nos dois
torneios, ria-se a valer da pose da Fininha. Ocultamente, é claro, porque se
ela soubesse o expulsaria da equipe.
Mas, exatamente por essa situação, o Torneio Uno continuou fazendo
muito sucesso. O público se deliciava em ver a Fininha, sempre muito nervosa e
agitada, atuando em todas as etapas, reclamando de tudo, gritando com
auxiliares, até a operação final da colocação das largas tiras na bandeja,
quando fazia questão de não seguir nenhum critério, improvisando de forma
diferente a cada dia. O público a aplaudia sempre, pois reconhecia que apesar
de tudo, ela era habilidosa e eficiente.
Enquanto isso, o Torneio Tradicional seguia sem novidades. O Facão
Prata, agora mais assíduo, repetia atuações competentes, alternadas com as
também impecáveis e aplaudidas apresentações da faquinha Azul. Mas o público
não aumentava. Sinal que faltava alguma coisa, algo que agitasse, que
provocasse polêmica... Tudo acontecia muito certinho, era perfeito demais!
O que faltava aconteceu numa manhã, assim que o Facão Prata
iniciou. Logo no primeiro corte, sentiu a condição perfeita do pão, quase sem
rugas, e do queijo, de consistência ideal. Num relance, lembrou-se de seu
último recorde, há tantos anos. De lá para cá, só conseguira 14, no máximo 15
tirinhas, sem motivação para forçar mais do que isso. Habituara-se com a
normalidade. Era isso que o público reclamava!
Sentiu-se tomado pelo antigo entusiasmo e, sem pensar em mais
nada, começou a estreitar e reduzir a inclinação do corte, para aumentar o
número de tirinhas. Fez isso repetidamente, cada tirinha mais estreita que a
outra. O público levantou-se e, calado, ficou atento a todos os movimentos.
Finalmente, na última tirinha, uma diagonal perfeita, sem deixar poeira. A
contagem foi de 19 tirinhas, um recorde da fase atual.
Numa explosão de aplausos, o facão Prata foi ovacionado. Há muito
tempo não acontecia nada parecido. A faquinha, sempre amiga, correu a
abraçá-lo.
Esse feito colocaria o Torneio da Tirinhas novamente em evidência
como o grande evento das manhãs. Era o prenúncio de novos e bons tempos!
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