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quarta-feira, 3 de julho de 2019

1 • ARTIGO • Nós, os animais



NÓS, OS ANIMAIS


“O homem é o macaco que não deu certo”
Millôr Fernandes

O ser humano é um animal racional. Ele mesmo chegou a essa conclusão, ao ter consciência de que existia, e por isso se coloca, por seu próprio arbítrio, acima dos outros animais do Planeta.
Porém, em muitos aspectos da inteligência, o ser humano não parece ocupar um patamar tão superior quanto imagina. O fato de o Homo sapiens ter sido contemplado com o raciocínio, sem dúvida lhe permitiu, através dos milênios de existência, inventar e desenvolver a linguagem, as ciências e as artes, construir cidades e produzir todas as coisas que conhecemos. A tudo isso chamamos de progresso. 
Mas, fazendo uso justamente desse exclusivo dom de raciocinar, ocorre uma pergunta fundamental: o que será o progresso? Qual o critério para considerarmos todas as conquistas humanas como um verdadeiro progresso?  
Tanto nós quanto os outros animais, compartilhamos a vida numa grande nave que viaja pelo Cosmo, à qual denominamos Planeta Terra. Estamos, portanto, todos no mesmo barco, e cabe a nós encontrar a maneira mais confortável possível de viver. Na qualidade de únicos animais racionais, é nossa responsabilidade canalizar os benefícios produzidos pela inteligência a favor da vida no Planeta. 
Parece óbvio, portanto, que todo o progresso científico e cultural, somente terá sentido e merecerá o nome de progresso, se a sua meta for a de promover o bem-viver e a felicidade da a espécie humana e também a harmonia com as outras espécies desse mesmo habitat. Caso contrário poderíamos, sem receio, chamar de atraso.
No entanto, nós, detentores do raciocínio –, razão que nos permite considerar superiores –, infelizmente ainda não somos capazes de pensar em nossa própria espécie como um todo, e passamos a existência, egoistamente, lutando pelo nosso bem-estar pessoal, exatamente como fazem os irracionais. Vivemos divididos em países, estados e bairros, em ruas e lares, cheios de medo e agressividade, competindo uns com os outros pelo domínio do poder e pelo acúmulo de riqueza.
Os animais irracionais também vivem em grupos, mas de forma harmoniosa com a natureza, enquanto nós, com todo o conhecimento que adquirimos, não aprendemos ainda a manter o equilíbrio ecológico. Já nos demos conta da importância vital desse equilíbrio para o Planeta, mas assim mesmo continuamos destruindo a harmonia dos ecossistemas, poluindo o ar, transferindo animais de seus habitats naturais, exterminando espécies inteiras, mudando leitos de rios na construção de hidroelétricas e até explodindo bombas nucleares, para afirmar nosso predomínio bélico.
E nós é que somos inteligentes e superiores...
Criamos e desenvolvemos a Filosofia, a Psicologia, a Sociologia, e nenhuma dessas ciências foi capaz de nos ensinar a compreendermos uns aos outros. Servem mais para alimentar nossa vaidade intelectual, fortalecendo o poder cultural, para com ele podermos dominar os menos letrados. 
Na evolução das sociedades, formaram-se regimes antagônicos e conflitantes, como o comunismo e o capitalismo. Todos se consideram ideais, mas a verdade é que nenhum deles tornou a vida da população melhor e mais feliz. Nenhum conseguiu extinguir a competição entre as pessoas, a prepotência e a tirania dos governantes. 
Vivemos constantemente em conflitos e guerras. Guerras pela supremacia de regimes políticos; guerras pela conquista de territórios e riquezas; e até mesmo em sangrentas guerras santas, em nome do mesmo Deus que dizemos pregar o amor ao próximo, a tolerância, a compaixão e o altruísmo.  
E nós é que somos inteligentes e superiores... 
Depois de todo o progresso científico e tecnológico alcançado, do enorme grau de conhecimento que adquirimos, não sabemos ainda verdadeiramente o que é a vida. 
Apesar de nos maravilharmos com o avanço da Medicina, com os transplantes, e  atualmente com a Genética, a ciência médica ainda não foi capaz de dominar a vida, ou seja, de extinguir definitivamente as doenças. Está muito longe disso. O máximo que consegue, em alguns casos, é prolongar a vida durante algum tempo. Muitas vezes, com o paciente prostrado numa cama, em estado vegetativo, tendo as funções vitais mantidas por máquinas, durante anos ou décadas, para orgulho dos inventores desses recursos, mas à custa de enorme sofrimento do paciente. 
O principal motivo desse verdadeiro atraso é que, no nosso atual estado evolutivo, toda descoberta científica só pode ter êxito se gerar lucro. E como a extinção total de doenças traria prejuízo a quem vive da fabricação e venda de remédios, o financiamento de pesquisas científicas com essa finalidade é regulado por interesses comerciais.
E nós é que somos inteligentes e superiores...
Pássaros, baleias e outros animais percorrem milhares de quilômetros para encontrar um local adequado às suas vidas, confiando somente nos seus sentidos. Nós, racionais, só conseguimos alcançar regiões distantes, se auxiliados por bússolas e radares. E apesar de toda a tecnologia que dispomos, vivemos reclamando do frio, do calor, da chuva ou da falta de chuva, do vento ou da calmaria, enquanto os animais irracionais rapidamente se adaptam a tudo isso, sem roupas nem equipamentos especiais.
Nós, que possuímos a inteligência e o discernimento, ao contrário de cultivarmos a solidariedade e o altruísmo, inventamos motivos para nos matar mutuamente e às outras espécies. Matamos por vingança, por esporte, por vaidade, por mera perversidade e até por prazer. O sadismo e a maldade são qualidades exclusivas dos humanos.
Colocamos os outros animais num nível tão abaixo de nós, que perdemos o respeito por suas vidas. Nós os torturamos e matamos para fabricar alimentos e para experiências científicas. Oferecemos animais para crianças os maltratarem e muitas vezes achamos isso engraçado.
E nós é que somos inteligentes e superiores...
Cabe, afinal, outra pergunta fundamental: apenas a capacidade de pensar, será suficiente para nos fazer superior aos outros animais? Não importa que pensamentos serão esses? 
Poderá ser o pensamento de Buda e de Cristo ensinando sobre a vida, ou o pensamento de um matador de focas, calculando quanto lucrará com as peles? Igualmente poderá ser o pensamento de Einstein sobre a relatividade das coisas, ou o que Stalin pensou ao ordenar o genocídio na floresta de Katin? Apenas o ato de pensar, seja lá o que se pense, significará uma inteligência superior? Não deveria ser levada em conta a qualidade do pensamento, como sinal de superioridade?
Na verdade, o ato de raciocinar denota apenas uma das formas da inteligência se manifestar, não uma superioridade. A inteligência dos animais irracionais manifesta-se de outras formas, com certos aspectos bem mais desenvolvidos do que a nossa. 
É certo que os animais irracionais, guiados por instintos, apesar de demonstrarem solidariedade e afeto em inúmeras circunstâncias, também se digladiam e se matam. Ainda assim, cada animal mata diretamente o outro, enquanto nós matamos milhares de uma só vez, com as armas que criamos.  
No decorrer de milênios de existência, tivemos tempo de sobra para evoluir até nos tornarmos incapazes de matar e de roubar. Já deveríamos ter extinguido dos nossos cérebros essas perversas capacidades. Nossa espécie humana somente dará um salto na evolução, colocando-nos verdadeiramente acima dos outros animais, quando não matarmos nem roubarmos mais, e aprendermos a conservar em harmonia o nosso habitat. Quando deixarmos de sentir ódio e medo, e passamos a cultivar o amor ao próximo, colaborando, em vez de competir com nossos semelhantes.

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