Translate

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

• HISTÓRIAS DAS COISAS • O Amassamento de Bananas

(Aqui, os personagens são objetos)



O Amassamento de Bananas

Durante a noite, Neninha chegou a sonhar que seria a escolhida. Fazia tempo que ela não conseguia participar; sempre as outras acabavam ficando na sua frente. Mas hoje, Neninha estava certa de que a vez seria sua, pois no seu sonho, o charmoso garfo Renê descia cedinho da gaveta de cima, onde morava, especialmente para buscá-la, oferecendo amavelmente o braço e a levando como seu par ao grande evento do Amassamento de Bananas
Esse é o evento mais importante do Café da Manhã, depois do Torneio de Tirinhas. Boa parte do público que assistiu ao Tirinhas aproveita para dar uma “esticada” ao Amassamento, que fica bem ao lado. 
O Amassamento de Bananas não deveria ser considerado um torneio, pois não há competição nem quebra de recordes. Mesmo assim o público comparece em massa para se deliciar com a habilidade dos garfos amassando as bananas e das colheres pulverizando a farinha. E no final da degustação, dá sua nota ao espetáculo, levando em conta a exibição do casal e também o sabor.
 Os garfos possuem estilos diferentes. Uns preferem o movimento rápido e forte, outros apenas deslizam em passadas suaves e lentas, amassando pequenas quantidades de cada vez. Percorrem depois toda a volta do prato, removendo as bordas da banana para o meio, numa espécie de bailado, que o público sempre aplaude. 
Finalmente entra em cena a colher, buscando no sisudo e mal-humorado Pote de Farinha a mistura de aveia e linhaça, e a espalha sobre a banana já amassada. Nessa etapa, também é muito apreciada pelo público os leves e precisos movimentos da colher, deixando cair a farinha de maneira contínua e uniforme. Já é de praxe, no final, a colher guardar um pouquinho de farinha para devolver ao Pote. Caso não sobre nada para devolver, todos já sabem que ele ficará irritado, não conseguindo se fechar direito, o que atrasa o evento e provoca risos no público. 
Repete-se essa rotina diariamente, o garfo amassando, a colher pulverizando, e o Pote exigindo, sisudo, a sobrinha final.
Nesta manhã, o sonho da colher Neninha foi uma predestinação. Tudo aconteceu exatamente como ela sonhou: o garfo Renê abriu a gaveta onde vivem as colheres, e foi direto convidá-a. Os dois saíram de braços dados, para a rotineira e romântica viagem aérea até a arena, na pia da cozinha. 
Nessas curtas viagens, eles apreciam do alto todo o aposento e têm tempo suficiente para conversar. Neninha lhe contou do seu sonho, e que pela manhã despertou certa de ser a escolhida. Renê achou-a encantadora, sorriu e disse que ela era a colherzinha mais bonita da gaveta. O romance entre os dois só não foi adiante porque logo aterrissaram na arena, onde os aguardavam as duas bananas e o Pote de Farinha, para iniciarem imediatamente as atividades.
A origem dos seus nomes, Neninha e Renê, remonta ao tempo em que os Renegados foram alvo de grande preconceito por parte dos Talheres Nobres. Houve entre os dois grupos, na época, uma disputa terrível e violenta. Com o passar dos anos, porém, os ânimos se acalmaram. Atualmente convivem em paz e se tratam cordialmente. Mas a designação de Renegados permaneceu, e seus nomes são quase todos formados por letras retiradas de “renegado”, como Renê, Nega, Neda, Gadô, e por aí vai.  Até hoje a única função deles é o Amassamento de Bananas, que o tempo transformou numa tradição da qual muito se orgulham. Os Renegados desempenham essa tradicional função com arte, competência e habilidade inigualáveis.
Nesse instante, o casal encontra-se em plena atividade do Amassamento de Bananas, com o público aplaudindo o garfo Nenê, que está num de seus dias inspirados. Após a retirada das cascas da banana, ele alterna os movimentos suaves do amassamento vertical (no sentido da banana), com vigorosas amassadas horizontais, deixando assim a banana totalmente pastosa, quase sem imperfeições. O público delira com a sua técnica impecável. 
É sempre deixada para o final a parte do “umbigo” da banana; ele contém em seu interior um fiapo preto que precisa ser descartado. Separar esse umbigo é uma tarefa difícil, pois a banana faz tudo para impedir. O fiapo preto possui sua “entourage” – pequenas partes da banana, tão fiéis ao umbigo que dão a vida para protegê-lo. É preciso muita habilidade do garfo, cortando em volta da entourage, sem feri-la, para isolar o fiapo preto. Quando consegue pegá-lo inteiro é um sucesso, e o público aplaude demoradamente. O fiapo é então descartado sobre as cascas depositadas na lixeira da arena.
Depois disso, Neninha entra em cena e cumpre seu papel com perfeição: retira a farinha do Pote, e forma com ela um tapete sobre a superfície da banana amassada. Reserva, como sempre faz, um pouquinho de farinha para devolver ao mal-humorado Pote de Farinha, que assim, satisfeito, fecha-se macio, sem reclamar. 
Agradecem os aplausos do público, que já começa a se retirar para assistir a parte final do Torneio das Tirinhas, na Arena do Consumo. Renê e sua parceira Neninha seguem para a segunda etapa do evento, onde Neninha volta a atuar, dessa vez com o Pote de Granola. 
Primeiro Neninha aguarda que o pequenino Pote de Canela cumpra a curta função de pulverizar canela no tapete de farinha, que ela formou sobre a banana amassada. Em seguida busca no Pote de Granola, a quantidade necessária para cobrir todo o conjunto. Os potes de Canela e Granola, ao contrário do de Farinha, são ambos muito simpáticos, permanecendo solícitos e amáveis o tempo que for preciso. 
Logo que termina essa última fase, Neninha corre para a borda do prato, de mãos dadas com Renê. Ficam atentos, para intervir a qualquer momento, caso haja necessidade.
Finalmente, a tabela de avaliação com as notas do público é mostrada no telão. Dessa vez ganham notas altas, sinal de que o público se deliciou com o espetáculo e também com o sabor da mistura. 

Quando termina o consumo, inicia-se nova viagem até a pia, onde os dois serão lavados. Nessa viagem, passam o tempo entrelaçados, amando-se, descompromissados de qualquer obrigação. O idílio amoroso dura até voltarem novamente às suas casas, cada qual na sua gaveta, a espera de uma próxima aventura...


Mande sua opinião,
ela será muito bem-vinda.

Envie para:

sendino.claudio@gmail.com

2 comentários:

Unknown disse...

Olá, Cláudio.
Muito criativos os seus textos!
Desejo a você um feliz 2019, com muitas alegrias, sausa e sucesso!
Grande abraço,
Ilda

Unknown disse...

Saúde!