GRANDES EVENTOS
• História 13
A vida é breve
(Continuação de Salvou-se o mundo – publicado em julho de 2017)
Tudo caminhava às mil maravilhas no Torneio das Tirinhas, quando aconteceu o trágico imprevisto. Durante uma apresentação, ao fazer o movimento de cortar o queijo, a faquinha azul partiu-se, separando a lâmina do cabo. Tentaram recuperá-la de todas as maneiras. A equipe de socorro chegou a encaixar novamente a lâmina, mas ao fazer o primeiro movimento ela se soltou novamente. E a faquinha Fininha esvaiu seu derradeiro momento. Estava morta.
Não há como descrever as consequências. O Diretor da companhia, que sempre reagia a tudo friamente, levou as mãos à testa, visivelmente comovido. Os facões ficaram completamente transtornados e a faquinha Azul, prima da Fininha, só fazia chorar e chorar continuamente. O mundo parecia ter desabado.
Abaladíssimo, o Diretor permanecia com as mãos na testa, lembrando-se da Fininha, do seu amor aos companheiros e da sua dedicação ao trabalho. Lembrou-se do retorno dos facões Rebite Prata e Dourado aos torneios, anunciado somente na véspera do primeiro espetáculo, e que mesmo assim lotou todas as dependências do estádio.
Foi uma estreia brilhante, e desde lá a equipe passou a viver num clima de alegria constante; sucederam os recordes, ora de um ora de outro. Primeiro, a marca do Prata – 22 tirinhas, foi superada pela faquinha Azul, com 23 tirinhas; em seguida, pelo Dourado, com 24; finalmente, pela Fininha, com 25 tirinhas, e logo após, 28 – nada menos do que o recorde mundial!
Lembrou o Diretor o quanto estava radiante desde aquele recorde, que serviu para dissipar de vez um resquício de desconfiança pela Fininha, que trazia de tempos idos. Naquele dia reconheceu finalmente o grande talento e capacidade de trabalho da delicada faquinha, e previu para ela um futuro mais do que brilhante. Fininha estava se tornando um verdadeiro fenômeno da arena; sua técnica em pouco tempo iria superar a dos seus mestres. E agora, vendo o seu fim, precisava fazer grande esforço para conter as lágrimas... O que jamais acontecera, desde a sua infância.
O Diretor pediu a todos, especialmente à faquinha Azul, que o aconselhasse sugerindo alguma medida a ser tomada, pois se encontrava muito abalado e sem condições de pensar, “pela primeira vez na vida” – confessou. Mas não havia o que fazer, todos reconheceram. A faquinha Fininha era insubstituível.
Fininha começou sua carreira de modo inverso ao de seus companheiros. Era a época em que se iniciavam as atividades de um novo torneio, o Torneios Uno, usando uma modalidade diferente de tirinhas. Como a ideia inicial da nova modalidade e do nome Uno partiu da faquinha Azul, os dirigentes pretenderam contratá-la como protagonista; mas ela não pôde aceitar por já atuar no Torneio de Tirinhas, principal evento do Café da Manhã. Azul então resolveu indicar sua prima, a faquinha Fininha, pois ela sempre sonhara em atuar no corte de tirinhas, mas nunca havia sequer feito um teste. Seria para ela a oportunidade ideal. Os dirigentes prontamente acataram a indicação da Azul e contrataram Fininha para protagonizar o novo Torneios Uno, devendo estrear imediatamente.
Fininha adorou a ajuda da prima e dedicou-se com muita vontade, mas do jeito que pôde: sem preparo, sem técnica alguma, treinou em casa, orientada pela prima, durante os poucos dias que lhe restavam antes da estreia.
Felizmente, pouca gente foi assisti-la na estreia do Torneios Uno. Assim, nos primeiros dias, Fininha teve liberdade para se adaptar ao jeito de cortar o pão e desempenhar as outras tarefas. Começou atuando de modo estabanado, tanto ao colocar o queijo quanto ao cortar o pão. A organização interna também era precária, por isso às vezes chagavam dois queijos, um branco e outro amarelo, e ela se atrapalhava mais ainda com a arrumação dos dois, arrancando risos da pequena plateia, que dia a dia aumentava. Sua fama de estabanada foi-se espalhando. Ela acabou atraindo para o novo torneio, um público bem definido, onde predominavam jovens.
Os adolescentes se divertiam com o “estilo” de Fininha atuar. Por ela ser ao mesmo tempo muito bonita e atraente, todos queriam ver aquela linda faquinha fazendo uma verdadeira confusão para conseguir cobrir o pão e depois cortá-lo em tirinhas, esbanjando charme, mas aos tropeções, reclamando o tempo inteiro da má organização.
Essa fase durou até o dia em que o Torneio de Tirinhas comprou o Torneios Uno, promovendo a unificação dos dois, com a promessa de elevar o nível técnico e artístico dos espetáculos Uno – até então indicados só para adolescentes.
Com isso, Fininha julgava sua curta carreira encerrada. Foi quando a prima Azul a convidou para fazer parte da equipe unificada, juntando-se a ela e aos facões. Fininha exultou de alegria. Agradecida, dedicou-se de corpo e alma às aulas do facão Rebite Prata, designado para treiná-la até que tivesse condições técnicas de atuar. Seu talento nato revelou-se nessa hora, pois ela aprendeu tudo com uma rapidez tão grande que deixou o mestre impressionado.
Em sua primeira apresentação no Torneio de Tirinhas, o público esperava vê-la repetindo as confusões costumeiras que fazia no Torneios Uno, e preparou-se para assistir a uma comédia. Mas a atuação da Fininha foi impecável, conseguindo reverter a expectativa do público e até arrancar aplausos.
Daí em diante, pouco a pouco e com grandes atuações, transformou-se numa figura admirada e até idolatrada por grande parte do público. Fininha atuava nos dois torneios, desempenhando sua função com total dedicação e muita técnica, aperfeiçoada a cada apresentação. Seu recorde de 28 tirinhas foi por todos considerado insuperável.
Essa era Fininha. No auge de sua técnica, em pleno apogeu, eis que chega o momento de ir-se embora... De repente. Como de repente foi sua ascensão.
Na carreira de Fininha, tudo foi breve. Até a sua vida.
sendino.claudio@gmail.com
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