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terça-feira, 25 de julho de 2017

• HISTÓRIAS DAS COISAS – 23 • A Salvação



GRANDES EVENTOS

• História 12
Salvou-se o mundo
(Continuação de Caso de Polícia – publicado em maio de 2017)

O caso policial envolvendo os facões Rebite Prata e Rebite Dourado deixou sequela. Mesmo depois que tudo foi explicado e provada a inocência dos dois facões, eles permaneceram inativos, por decisão do Diretor de Eventos e deles próprios. Os torneios Tirinhas e Tirinhas Uno passaram então a ser protagonizados somente pelas faquinhas Azul e Fininha.
As duas primas atuando sós, no princípio souberam levar muito bem os espetáculos, e até ganharam mais popularidade. A competência e o talento das duas segurou o público, com belas apresentações, durante uns meses. Mas, passada a euforia inicial, elas foram perdendo o entusiasmo, pois sofriam ao ver seus mestres na gaveta, enquanto atuavam. E o público, sentindo algo estranho no ar, começava a decair.
Chegou o momento em que elas não se conformaram mais com a situação. A primeira a tocar no assunto foi Fininha: “Querida, tem uma coisa que preciso lhe dizer; quero saber a sua opinião...” As duas ficaram se olhando e pareciam entender-se pelo olhar. Respondeu Azul, adivinhando o pensamento da outra:
“É sobre o Prata e o Dourado, não é? 
“É sim. Você também se preocupa com eles, tenho certeza... “
“Claro, minha prima”, confirmou a Azul, acrescentando: “Nós duas não estamos mais rendendo tão bem nos espetáculos, sabemos muito bem disso...”
Fininha a abraçou: “Prima, temos que fazer alguma coisa... Você sempre soube ter as ideias certas quando foi preciso. O que acha que podemos fazer?”
Foi ótimo que a prima levantasse a questão. Na verdade, Azul estava com essa mesma preocupação há muitos dias, mas agora chegara o momento certo de tomar uma atitude. Disse então, decidida:
“Acho que está na hora de voltarmos a atuar juntos, os quatro.”
“Eu penso a da mesma maneira,” concordou Fininha, convicta.
Como sempre aconteceu em momentos como esse, propuseram uma reunião com o Diretor. Ele as recebeu prontamente em sua sala.
“Não usei a sala de reuniões dessa vez porque acho que posso adivinhar o assunto,” adiantou o Diretor, “e quero resolver isso rápido.”
“O senhor já deve ter notado que a frequência do público vem decaindo e que nós duas não estamos conseguindo sustentar sozinhas os espetáculos,” disse Azul.
“Qualquer um percebe isso”, respondeu o chefe, “O fato é que a saída dos facões mudou totalmente o panorama das coisas.” O chefe fez uma pausa e respirou fundo, pois o que pretendia dizer seria difícil para as duas.
 “Não que eu duvide da competência de vocês, eu sei que as duas são muito talentosas, que sabem fazer muito bem as suas tarefas, mas...” 
“Mas o quê? “ – interrompeu Azul.
“Mas confesso que cometi um erro grave. Imaginei que os facões já estavam esquecidos do público, porque pelas ruas não se falava mais neles... Agora sei que foi devido ao povo ter acreditado na história que foi divulgada, da doença deles. Foi exatamente isso. Mas com o passar do tempo, ficou claro que os torneios sem os dois facões não se sustenta... Já começaram a comentar pelas esquinas que os torneios estão em decadência, já começaram a fazer piadas...”
Fininha e Azul o olhavam apreensivas, mas sem dizer nada, pois compreendiam que era a pura verdade. E o Diretor finalizou:
 “Eu pretendia propor a vocês a suspensão dos torneios. Pelo menos durante um tempo, até que as condições permitam...”
As duas faquinhas estremeceram. Viram num relance tudo desmoronar, tudo o que fizeram como artistas. 
“Não! Não é possível!”, gritou Azul.
Mas o Diretor prosseguiu, impassível e decidido: “Vamos aguardar que tudo se acalme, que mude esse ambiente hostil. Quem sabe, no futuro...”
Azul não o deixou completar a frase: “Por favor! Não termine assim com a nossa vida! Não desmorone o nosso mundo! É tudo o que temos!” – E começou a chorar compulsivamente. Fininha, que até então estava calada, implorou ao chefe, emocionada:
“Senhor Diretor, por favor ouça a minha prima! Pense no Prata e do Dourado! Lembre que eles são heróis, que praticamente foram eles os criadores dos torneios! Faça uma coisa boa... Chame eles de volta!”
O Diretor levantou as sobrancelhas: “Trazê-los de volta?”
Azul imediatamente interrompeu as lágrimas e emendou: ”Sim! Trazê-los de volta! Vai ser um sucesso! Tenho certeza! Eles sempre foram sucesso!”
“Na verdade,” iniciou a falar o Diretor, com sua voz pausada e grave, e uma calma revoltante: “Na verdade... não estou feliz em acabar com os torneios.” Depois de uma grande pausa e um silêncio pesado, prosseguiu: “Com certeza será um prejuízo para a empresa e para todos, mas...”
Fez outra daquelas pausas estudadas, ajeitou-se melhor na poltrona, passou os dedos pelo queixo e, pensativo, balbuciou consigo mesmo: “Trazê-los de volta... Será?...”
“Eles estão prontos e ainda estão em forma!” ­– afirmou Azul, sem vacilar.
O Diretor continuou, ainda pensativo: “Eles de volta... quem sabe... pode até ser que dê certo...”
E o grito das duas ao mesmo tempo: “Vai dar certo! Vai dar certo!”
O Diretor então recostou-se na poltrona, voltou-se para a Azul e a olhou diretamente nos olhos, e finalmente decidiu-se:
“Você sempre teve bons palpites. Talvez valha a pena tentar...”
Permaneceu ainda alguns segundos encarando Azul, querendo incorporar sua certeza. Ela nem sequer piscou, e então o Diretor concluiu:
“Pois eu concordo, vamos fazer uma última tentativa. Vamos chamar de volta o Prata e o Dourado.”
Azul gritou, radiante:
“Obrigada! Obrigada! Eu garanto que o senhor não vai se arrepender!” E correu para abraçar a prima, emocionada.
Encerrada a reunião, as duas faquinhas voltaram à gaveta com a missão de comunicarem a decisão ao Prata e ao Dourado. O único receio seria o de que eles não quisessem mais voltar... Mas ao contrário, como estavam há meses sem nada o que fazer, mostraram-se felizes e aliviados.
O Diretor não quis fazer alarde com antecedência, achando que causaria mais impacto se a volta dos dois fosse de surpresa. Por isso só comunicou à imprensa na antevéspera do primeiro espetáculo. Mesmo assim, as manchetes de todos os jornais foi “Prata e Dourado de volta aos torneios”, e as televisões reprisavam imagens de arquivo dos recordes conquistados pelos dois facões.
O mundo dos torneios estava salvo.


sendino.claudio@gmail.com

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