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segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

• HISTÓRIAS DAS COISAS – 18 • O Amassamento de Bananas




EVENTOS PARALELOS

• História 10
O Amassamento de Bananas
(Continuação de Salvou-se o mundo – publicado em agosto de 2015)


Durante a noite Neninha chegou a sonhar que seria a escolhida. Fazia tempo que ela não conseguia participar; sempre as outras, mesmo sem intenção, acabavam ficando na sua frente. Mas hoje Neninha estava certa de que a vez seria sua, pois em seu sonho, o charmoso garfo Renê descia de manhãzinha da gaveta de cima, onde morava, especialmente para buscá-la, oferecendo amavelmente o seu braço para levá-la ao grande evento do Amassamento de Bananas.
Esse é o evento mais importante do Café da Manhã, depois do Torneio das Tirinhas. Boa parte do público que assistiu ao Torneio aproveita para dar uma “esticada” ao Amassamento, que fica bem ao lado. O Amassamento de Bananas não é propriamente um torneio, pois não há competição nem quebra de recordes. O público sabe disso, mesmo assim comparece para se deliciar com a habilidade dos garfos amassando as bananas e das colheres pulverizando a farinha. Entre os garfos, existem estilos diferentes, uns preferem o movimento rápido e forte, outros apenas deslizam em passadas suaves e lentas, amassando pequenas quantidades de cada vez. Rodopiam depois em volta do prato, removendo as bordas da banana para o meio, numa espécie de bailado, que o público aplaude. Finalmente entra em cena a colher, buscando no sisudo e mal-humorado Pote de Farinha a mistura de aveia e linhaça, e a espalha sobre a banana já amassada. Essa técnica, também muito apreciada pelo público, consiste em leves e precisos movimentos que fazem cair a farinha de maneira contínua e uniforme. Já é de praxe a colher guardar um pouquinho de farinha para devolver ao Pote. Caso não sobre nada para devolver, todos já sabem que ele ficará mal-humorado, irritado, não conseguindo se fechar direito, o que atrasa o evento e provoca risos no público.
Repete-se essa rotina diariamente, o garfo amassando, a colher pulverizando, e o Pote exigindo a sobrinha final.
Nesta manhã, o sonho da colher Neninha foi uma predestinação. Tudo aconteceu exatamente como ela esperava: o garfo Renê abriu a gaveta abaixo da sua, onde vivem as colheres, e foi direto convidá-a. Os dois saíram de braços dados, para a rotineira e romântica viagem aérea até a arena, na pia da cozinha. Nessas curtas viagens, eles apreciam do alto todo o aposento e têm tempo suficiente para conversar. Neninha lhe contou do seu sonho, e que ao despertar de manhã estava certa de ser a escolhida. Renê achou encantador, sorriu e disse que ela era a colherzinha mais bonita da gaveta. O romance entre os dois só não foi adiante porque logo aterrissaram na arena, onde os aguardavam as duas bananas e o Pote de Farinha, para iniciarem imediatamente as atividades.
A origem dos seus nomes, Neninha e Renê, remonta ao tempo em que os Renegados foram alvo de grande preconceito por parte dos Talheres Nobres. Houve entre os dois grupos, na época, uma disputa terrível e violenta. Com o passar dos anos, porém, os ânimos se acalmaram e atualmente convivem em paz e se tratam cordialmente. Mas a designação de Renegados permaneceu, e seus nomes são quase todos formados por letras retiradas de “renegado”, como Renê, Neguinho, Neda, Gadô, Gá, e por aí vai.  Até hoje a única função deles é o Amassamento de Bananas, que o tempo transformou numa tradição da qual muito se orgulham. Os Renegados desempenham sua função com arte, competência e habilidade inigualáveis.
Nesse instante, o casal encontra-se em plena atividade do Amassamento de Bananas, e ouvem-se aplausos para o garfo Nenê, que está num de seus dias inspirados. Após a retirada das cascas da banana, ele alterna os movimentos suaves do amassamento vertical (no sentido da banana), com vigorosas amassadas horizontais, deixando assim a banana totalmente pastosa, sem imperfeição alguma. O público delira com a sua técnica impecável.
É sempre deixada para o final a parte do “umbigo” da banana, que contém em seu interior um fiapo preto que precisa ser descartado. Separar esse umbigo é uma tarefa difícil, pois a banana faz de tudo para impedir. O fiapo umbilical possui sua “entourage” – pequenas partes da banana, tão fiéis ao umbigo que dão a vida para protegê-lo. É preciso muita habilidade do garfo, cortando em volta da entourage, sem feri-la, para isolar o fiapo preto. Quando consegue pegá-lo inteiro é um sucesso, e o público aplaude demoradamente. O fiapo é então descartado sobre as cascas depositadas na lixeira da arena.
Depois disso, Neninha entra em cena e cumpre seu papel com perfeição, tirando do Pote a farinha, e formando com ela um tapete sobre a superfície da banana amassada. Reservou, como sempre faz, um pouquinho de farinha para devolver ao mal-humorado Pote, que assim, satisfeito, fecha-se macio, sem reclamar.
Após agradecerem aos aplausos do público, que já começa a se retirar para assistir ao Torneio das Tirinhas que começará daqui a pouco, Renê e sua parceira Neninha seguem para a mesa do grande evento Café da Manhã, onde, na hora propícia, a colher voltará a atuar, dessa vez no Pote de Granola.
Primeiro Neninha aguarda que o pequenino Pote de Canela cumpra a curta função de pulverizar sua canela no tapete de farinha que ela habilmente estendeu sobre a banana amassada. Em seguida busca no Pote de Granola, a quantidade necessária para formar um segundo tapete, tão uniforme quanto o outro. O Pote de Granola, ao contrário, é muito simpático, permanecendo solícito e amável o tempo que for preciso. Neninha logo termina essa última fase e depois corre para o lado do prato, de mãos dadas com Renê. Ambos ficam atentos, para intervir a qualquer momento caso haja necessidade.
Finalmente, chega a tabela de avaliação com as notas do público. Eles ganham notas altas, sinal de que o público se deliciou com o espetáculo.

No final, os dois são colocados no prato vazio e inicia-se nova viagem até a pia, para serem lavados. Nessa viagem, passam todo o tempo entrelaçados, amando-se, descompromissados de qualquer obrigação. Até voltarem novamente às suas casas, cada qual na sua gaveta, a espera de uma próxima aventura...


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