EVENTOS PARALELOS
• História 10
O Amassamento de Bananas
(Continuação
de Salvou-se o mundo – publicado em agosto
de 2015)
Durante a noite Neninha chegou a sonhar que seria a escolhida.
Fazia tempo que ela não conseguia participar; sempre as outras, mesmo sem
intenção, acabavam ficando na sua frente. Mas hoje Neninha estava certa de que
a vez seria sua, pois em seu sonho, o charmoso garfo Renê descia de
manhãzinha da gaveta de cima, onde morava, especialmente para buscá-la,
oferecendo amavelmente o seu braço para levá-la ao grande evento do Amassamento
de Bananas.
Esse é o evento mais importante do Café da Manhã, depois do
Torneio das Tirinhas. Boa parte do público que assistiu ao Torneio aproveita
para dar uma “esticada” ao Amassamento, que fica bem ao lado. O Amassamento de
Bananas não é propriamente um torneio, pois não há competição nem quebra de
recordes. O público sabe disso, mesmo assim comparece para se deliciar com a
habilidade dos garfos amassando as bananas e das colheres pulverizando a
farinha. Entre os garfos, existem estilos diferentes, uns preferem o movimento
rápido e forte, outros apenas deslizam em passadas suaves e lentas, amassando
pequenas quantidades de cada vez. Rodopiam depois em volta do prato, removendo
as bordas da banana para o meio, numa espécie de bailado, que o público aplaude.
Finalmente entra em cena a colher, buscando no sisudo e mal-humorado Pote de
Farinha a mistura de aveia e linhaça, e a espalha sobre a banana já amassada.
Essa técnica, também muito apreciada pelo público, consiste em leves e precisos
movimentos que fazem cair a farinha de maneira contínua e uniforme. Já é de
praxe a colher guardar um pouquinho de farinha para devolver ao Pote. Caso não
sobre nada para devolver, todos já sabem que ele ficará mal-humorado, irritado,
não conseguindo se fechar direito, o que atrasa o evento e provoca risos no
público.
Repete-se essa rotina diariamente, o garfo amassando, a colher
pulverizando, e o Pote exigindo a sobrinha final.
Nesta manhã, o sonho da colher Neninha foi uma predestinação. Tudo
aconteceu exatamente como ela esperava: o garfo Renê abriu a gaveta abaixo da
sua, onde vivem as colheres, e foi direto convidá-a. Os dois saíram de braços
dados, para a rotineira e romântica viagem aérea até a arena, na pia da cozinha.
Nessas curtas viagens, eles apreciam do alto todo o aposento e têm tempo
suficiente para conversar. Neninha lhe contou do seu sonho, e que ao despertar de manhã estava certa de ser a escolhida. Renê achou encantador, sorriu e disse que ela era a
colherzinha mais bonita da gaveta. O romance entre os dois só não foi adiante
porque logo aterrissaram na arena, onde os aguardavam as duas bananas e o Pote
de Farinha, para iniciarem imediatamente as atividades.
A origem dos seus nomes, Neninha e Renê, remonta ao tempo em que
os Renegados foram alvo de grande preconceito por parte dos Talheres Nobres.
Houve entre os dois grupos, na época, uma disputa terrível e violenta. Com o
passar dos anos, porém, os ânimos se acalmaram e atualmente convivem em paz e
se tratam cordialmente. Mas a designação de Renegados permaneceu, e seus nomes
são quase todos formados por letras retiradas de “renegado”, como Renê, Neguinho,
Neda, Gadô, Gá, e por aí vai. Até hoje a
única função deles é o Amassamento de Bananas, que o tempo transformou numa
tradição da qual muito se orgulham. Os Renegados desempenham sua função com
arte, competência e habilidade inigualáveis.
Nesse instante, o casal encontra-se em plena atividade do
Amassamento de Bananas, e ouvem-se aplausos para o garfo Nenê, que está num de
seus dias inspirados. Após a retirada das cascas da banana, ele alterna os
movimentos suaves do amassamento vertical (no sentido da banana), com vigorosas
amassadas horizontais, deixando assim a banana totalmente pastosa, sem
imperfeição alguma. O público delira com a sua técnica impecável.
É sempre deixada para o final a parte do “umbigo” da banana, que
contém em seu interior um fiapo preto que precisa ser descartado. Separar esse
umbigo é uma tarefa difícil, pois a banana faz de tudo para impedir. O fiapo
umbilical possui sua “entourage” –
pequenas partes da banana, tão fiéis ao umbigo que dão a vida para protegê-lo.
É preciso muita habilidade do garfo, cortando em volta da entourage, sem feri-la, para isolar o fiapo preto. Quando consegue
pegá-lo inteiro é um sucesso, e o público aplaude demoradamente. O fiapo é
então descartado sobre as cascas depositadas na lixeira da arena.
Depois disso, Neninha entra em cena e cumpre seu papel com
perfeição, tirando do Pote a farinha, e formando com ela um tapete sobre a superfície
da banana amassada. Reservou, como sempre faz, um pouquinho de farinha para
devolver ao mal-humorado Pote, que assim, satisfeito, fecha-se macio, sem
reclamar.
Após agradecerem aos aplausos do público, que já começa a se
retirar para assistir ao Torneio das Tirinhas que começará daqui a pouco, Renê
e sua parceira Neninha seguem para a mesa do grande evento Café da Manhã, onde,
na hora propícia, a colher voltará a atuar, dessa vez no Pote de Granola.
Primeiro Neninha aguarda que o pequenino Pote de Canela cumpra a
curta função de pulverizar sua canela no tapete de farinha que ela habilmente
estendeu sobre a banana amassada. Em seguida busca no Pote de Granola, a
quantidade necessária para formar um segundo tapete, tão uniforme quanto o
outro. O Pote de Granola, ao contrário, é muito simpático, permanecendo
solícito e amável o tempo que for preciso. Neninha logo termina essa última
fase e depois corre para o lado do prato, de mãos dadas com Renê. Ambos ficam
atentos, para intervir a qualquer momento caso haja necessidade.
Finalmente, chega a tabela de avaliação com as notas do público.
Eles ganham notas altas, sinal de que o público se deliciou com o espetáculo.
No final, os dois são colocados no prato vazio e inicia-se nova
viagem até a pia, para serem lavados. Nessa viagem, passam todo o tempo
entrelaçados, amando-se, descompromissados de qualquer obrigação. Até voltarem
novamente às suas casas, cada qual na sua gaveta, a espera de uma próxima
aventura...