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terça-feira, 5 de dezembro de 2017
quinta-feira, 2 de novembro de 2017
1. ARTIGO • Os justos e os tiranos
Os justos e os tiranos
O que me assusta não é o barulho dos maus, mas o silêncio dos bons.
Martin Luther King
Cada ser humano é único. Por isso, eles só podem ser classificados considerando-se um determinado aspecto de
sua individualidade, como a etnia ou a nacionalidade, a formação cultural, a
faixa etária, a sexualidade etc.
Estão aqui divididos em dois grandes grupos, considerando o
altruísmo e a honestidade – qualidades que se complementam e que, em nossa
opinião, são as mais importantes da alma humana. Os grupos foram nomeados
simploriamente de justos e tiranos.
Os justos
São as pessoas de bem, o que não significa que sejam “boazinhas”,
isso é, complacentes ou submissas. São de bem por possuírem um alto nível de
consciência, que lhes impele a priorizar o bem ao próximo, em qualquer ação,
demonstrando respeito também aos animais e à natureza. Os justos já deixaram de ser consumistas,
de querer ostentar riqueza e possuir mais que seu vizinho, tratando a todos,
sejam ricos ou pobres, com a mesma consideração.
São pessoas incapazes de roubar ou matar, de guardar rancor e de
tramar vingança. Mas é normal que reajam no momento de uma agressão ou se
mostrem indignadas com a atitude de alguns, pois somente os iluminados, os
santos, conseguem manter a mente acima e isenta de qualquer irritação.
Os justos, sobretudo, são pessoas honestas, seja lá onde se encontrem e o
que estejam fazendo. Tais pessoas estão espalhadas por todos os países, em
todas as atividades e em todas as classes sociais. Felizmente, elas existem.
Quando empresários, não querem enriquecer a qualquer custo, pois
remuneram bem seus empregados e costumam lhes oferecer uma infraestrutura de
vida bem maior do que a exigida por lei. Não é raro dividirem com eles parte do
lucro de suas empresas, em dividendos anuais, como forma de incentivá-los. E
muitos mantêm projetos sociais e filantrópicos em benefício da coletividade.
Colocam-se sempre a favor
de qualquer iniciativa social, governamental ou não, desde que preste
verdadeiros benefícios à população. E condenam abertamente os projetos
demagógicos e ineficazes, não importando a sua origem. Não costumam participar
dos alegres e festivos eventos pela paz, mas são essencialmente pacifistas em
suas atitudes.
Em geral essas pessoas de bem não entram na política, pois não têm
vocação para a competição com seu semelhante nem ganância de poder. Apesar
disso existem os que seguem o caminho político, carregando o objetivo altruísta
de realizar obras humanitárias e trabalhar para o bem da população. Esses são
raríssimos, pois o progresso nessa trilha depende da convivência constante com
os tiranos
e sua ladina “troca de favores”, que leva facilmente aos conchavos e à
corrupção.
Ainda assim há os que conseguem ultrapassar essas barreiras e
manter-se íntegros. É necessário que façam parte de algum Partido político, mas
jamais subjugam seus ideais de justiça às orientações do Partido, mantendo suas
ações sempre embasadas pela cidadania e visando o bem-estar do povo. Somente
apoiam iniciativas sociais verdadeiras e benéficas, não as eleitoreiras, feitas
para criar dependência. Apoiam, por exemplo, projetos educacionais para a
verdadeira melhoria do Ensino, e não com a intenção de estimular a preferência
partidária ou a sexualidade infantil.
Enfim, são políticos que agem honestamente, como todos deveriam
fazer, e por isso mesmo seus projetos, de real benefício à nação, costumam ser
derrubados pelos tiranos, que só aprovam o que lhes favorece.
Há no entanto um outro grupo de pessoas, inicialmente
bem-intencionadas, mas que terminam sendo levadas a rotular seus ideais
humanistas com a sigla de um Partido político, e assim confundi-los com as
normas e diretrizes do Partido.
Esse equívoco costuma ser irreversível, porque, pouco a pouco, os
ideais vão sendo substituídos pela veneração ao Partido adotado. Como
religiosos fiéis, votam incondicionalmente nos candidatos do Partido,
considerando a priori que eles sejam “os melhores”. Dedicam-se então, de corpo e alma,
à divulgação desses candidatos, certos de que bastará elegê-los e o Partido
conquistar o poder, para que os seus ideais de justiça social sejam realizados.
No decorrer da disputa política, envolvem-se emocionalmente a tal
ponto, que acabam achando normal que o fim (a vitória do Partido) justifique os
meios usados para colocá-lo no poder (mentiras, desvio de verbas para a
campanha etc.). Tudo será permitido e desculpável, desde que empurre o Partido
para a vitória nas urnas, pois ele carrega no bojo todos os seus sonhos
humanitários.
Em casos de fanatismo extremo, pessoas que antes eram de bem,
engajam-se na luta armada. É quando a guerrilha se torna a única maneira de
levar o Partido ao poder, não importando se à custa de muito sangue, pois a
essa altura, já se encontram plenamente convencidos de que “o fim justifica os
meios”. Terminam assim praticando tudo o que antes condenavam nos seus velhos
ideais humanitários e de amor aos semelhantes.
Os tiranos
Esse tipo de gente, mesmo que seja a minoria, infelizmente é quem
domina o mundo, pois luta por todos os meios pelo enriquecimento e pela
conquista de poder. Desprovidos de um mínimo de altruísmo, tais indivíduos vivem
com as mentes dominadas pelo egoísmo. Só pensam em si mesmos, são muito ladinos
e consideram que os justos, altruístas e humanistas, sejam uns “ingênuos”, que perderam o
foco do que seja a realidade da vida. Fazem questão de se mostrar “superiores”,
de ostentar riqueza, e por isso são essencialmente consumistas.
Empresários gananciosos, exploram como podem seus empregados,
dando-lhes, quando muito, o estritamente obrigatório por lei. Não vacilam em se
corromper, lucrando fortunas com subornos e outros negócios escusos.
Mas a grande concentração dos tiranos está na política. O motivo é
óbvio: é lá que encontram o “manjar” para sua fome de poder e de riqueza, pois
os políticos bem-sucedidos exercem grande poder sobre toda a população. Sempre
muito inteligentes, com brilhantes discursos demagógicos, às vezes chegam a
conquistar a simpatia dos justos, os verdadeiros idealistas, e os usam como
trampolim para galgar mais poder. Acabam se tornando grandes líderes
partidários, ministros e até presidentes.
Fazem negociatas com empresas igualmente corrompíveis, desviam
dinheiro público para suas contas em bancos estrangeiros, enriquecem filhos e
parentes próximos. Quando flagrados, contratam a peso de ouro competentes e tiranos advogados, espertíssimos em
encontrar pequenas brechas na lei para inocentá-los.
Tentam transformar seus crimes em “luta política”, e por incrível
que pareça, conseguem que seus seguidores – esses realmente ingênuos –, se
recusem a ver os fatos, ainda que comprovados, e continuem a considerá-los
grandes líderes, acreditando até o fim nos seus discursos mentirosos.
Conclusão
Em todos nós predomina um dos dois lados. Para detectar qual, é
preciso olhar a nós mesmos com honestidade, o que é impossível a um tirano, pois seu egoísmo não admite tal
honestidade.
Mas quem já superou o domínio do egoísmo, não vê mais o mundo
girar em volta de si mesmo. Embora cometa erros, como todos os mortais, admite
o erro cometido e logo empenha-se em repará-lo. Age priorizando o bem-estar do
próximo, e demonstra sempre solidariedade e gratidão.
Os justos jamais trocam seus ideais altruístas pelas diretrizes de algum
Partido político. Assim, conseguem enxergar os fatos com isenção, conscientes
da presença dos tiranos, sempre muito cativantes, mas desonestos e corruptos, que dominam
a política do país, com o único objetivo de levar vantagem e conquistar mais
poder.
Felizmente, os tiranos encontram nos justos uma inabalável resistência.
sendino.claudio@gmail.com
2. HISTÓRIAS DAS COISAS • Rubro e Bianca
RUBRO E BIANCA
Rubro se encontra numa situação terminal. O seu corpo, pressionado
de um lado para retirar o último restinho de pasta, é virado ao contrário e
igualmente pressionado. A escova Bianca sofre muito ao constatar que Rubro vive
seus últimos momentos. Só lhe resta, quando muito, um fio de pasta.
Bianca tentou prolongar sua vida o quanto pôde, mas agora não tem
mais esperança. A última porção de pasta que ele conseguiu expelir, mal deu
para cobrir as suas cerdas. Ainda assim ela aguarda, pacientemente, que lhe
reste um fiapo a mais...
Pressentindo o seu fim, a mente de Rubro se enche de lembranças,
revendo toda a sua história.
Ao nascer e ver-se liberto da incômoda embalagem, sentiu uma
alegria imensa. E quando viu sua pasta branca espalhada pela primeira vez nas
cerdas da escova, pressentiu seu futuro glorioso. Esse momento se tornaria para
ele inesquecível e se transformaria num grande ideal.
Foi nessa ocasião que a escova Bianca o batizou. Era então uma
linda jovem italiana recém chegada ao Brasil. Bianca jamais conseguiu ser
fluente no Português, por isso, inicialmente pretendeu batizá-lo de Rosso, nome
escolhido por conta da sua embalagem vermelha, mas reconheceu que não soava bem
para os brasileiros e mudou para Rubro, conhecido de todos.
A vida de Rubro, nos primeiros tempos, era só festa. Não se
incomodava nem um pouco em ser apertado com exagero, nem em fornecer mais pasta
do que o necessário. Sentia-se todo-poderoso e inesgotável.
O tempo foi passando e Rubro tornou-se adulto, embora conservando
a aparência de jovem, e sua empolgação pelo trabalho. Rubro era um idealista,
mas também um inconsequente: não sabia se cuidar, e o seu único prazer era
servir aos outros. Acreditava que viera ao mundo com a missão de dar sua pasta
para todas as escovas, principalmente para as carentes. A cada escovação ele
entrava numa espécie de êxtase de felicidade, espalhando com exagero, mais
pasta do que seria necessário.
Essa atitude exacerbada e constante despertou a atenção da escova
Bianca, que nessa época, apesar conservar sua beleza, já era bastante vivida.
Por ela passaram muitos dentifrícios, de várias marcas, de várias qualidades e
sabores. Porém, nunca havia-se deparado com alguém como Rubro, entregue de
corpo e alma à sua vocação, sem limite algum, sem pensar nem um pouco no
futuro. Preocupada, Bianca resolveu alertá-lo e o chamou para uma conversa.
“Rubro”, falou, carinhosamente, “quero lhe falar sobre a nossa
existência, gostaria que você me ouvisse...”
Rubro, muito jovem ainda, supôs que dali viria um sermão, e não
lhe deu ouvidos. Enfiou-se no seu canto – parte de um belo estojo de acrílico
transparente –, onde morava juntamente com ela e o fio dental. E ficou
sonhando, como de costume, com o dia em que sairia livre pelo mundo, de escova
em escova, ofertando a todas sua pasta cheia de flúor.
“Rubro!” – novamente a voz da Bianca, dessa vez tão suave e
delicada que ele se viu impelido a dar atenção. “Sim, dona Bianca, estou
ouvindo...”
A escova pôs-se a seu lado, e o olhou com tanta ternura e tão
demoradamente, que ele, como uma criança, se aninhou em suas cerdas. Disse
Bianca com muito amor:
“Eu vi você nascer... Fui eu que o batizei... Eu gostaria que você
tivesse uma vida longa...” Ela falava baixinho e ternamente. “Querido, você
desperdiça muita pasta... “
Rubro a interrompeu: “Claro, dona Bianca! Eu preciso gastar minha
pasta até cumprir minha missão neste mundo!”
“Qual missão?” – perguntou a escova, muito curiosa.
“Eu vim a este mundo para servir. Ainda tenho que correr muitos
lugares, principalmente os mais pobres... e dar minha pasta e meu flúor para
todas as escovas que encontrar!”
Bianca sentiu um profundo respeito e admiração pelo seu ideal
humanista; mas via claramente, nessas palavras, o seu rápido desgaste. E
percebeu ser a única a poder salvá-lo. Então sorriu e continuou, delicadamente:
“Querido, isso é uma coisa linda! Mas é um sonho... Quanto mais
você economizar sua pasta, mais tempo poderá viver para se dedicar aos outros.
A sua pasta é a sua vida... ”
Rubro arregalou os olhos. Pela primeira vez, havia caído em si.
”Obrigado dona Bianca, por me alertar! Vou pensar muito nas suas palavras...” –
e se aconchegou mais ainda em suas cerdas macias.
Ficaram calados algum tempo, até que ele ousou perguntar: “Por que
me diz essas coisas? A senhora gosta de mim...?”
“Eu o amo!” –, respondeu Bianca, sussurrando.
Nesse dia Rubro conheceu o que era o amor de um ser por outro. Até
então, para ele o amor significava somente o desejo de ajudar a humanidade.
Aquelas palavras também despertaram nele a preocupação com sua própria vida,
com o futuro de sua missão. Dali em diante ele passou a controlar, pelo menos
um pouco, a quantidade de pasta que gastava. Seu trabalho não seria menos
empolgante por isso.
E a vida foi prosseguindo assim.
Rubro e Bianca conviviam em harmonia e alegria, na sua casa de
acrílico. Para ele, Bianca era conselheira, amiga, enfim, o amor de sua vida.
Passou a chamá-la de Bia, e a diferença de idade entre os dois, antes tão
considerada, agora nada significava. Rubro brincava com ela, ficava horas
alisando suas cerdas, muito macias, e dormiam sempre agarradinhos, num carinho
sem fim.
Bianca era completamente liberta de preconceitos, mas priorizava
sempre as qualidades internas. Sabia muito bem que o invólucro de nada valia e
que a vida de seu amado estava restrita à quantidade de pasta do seu corpo. A
vida de Rubro teria sido muito curta, não fossem seus conselhos. Assim,
achava-se responsável por ele.
Mas nem tudo era perfeito.
A relação entre os dois suscitava constantes e maldosos
comentários do Fio Dental, o preconceituoso vizinho no estojo acrílico. Ele
nutria o desejo de acabar com aquele “caso imoral entre uma velha e uma
criança”, mas como era dissimulado, conseguia disfarçar suas verdadeiras
intensões e ser gentil no trato com os dois. Sorria ao cumprimentá-los, sempre
que se cruzavam na entrada do armário.
Essa aparente gentileza fazia parte de um plano maquiavélico: Fio
Dental aumentava cada vez mais o seu tempo de atuação nos dentes, provocando,
em contrapartida, mais empenho também da pasta e da escova. Resultado é que
Rubro, gastava muito mais pasta em cada escovação, encurtando o seu tempo de
vida. Mas, como nada disso era evidente, nada era percebido.
A vida transcorria na aparente normalidade, até que recentemente,
durante uma escovação, Rubro se deu conta de que precisava ser comprimido muito
além do normal para fazer sair a sua pasta. Pressentiu naquele instante o seu
fim se aproximando.
Bianca fez todo o possível para retardar o seu fim. Passou a
solicitá-lo cada vez menos, até se conformar apenas com um fiozinho de pasta em
cada escovação. Mas não podia ir além disso, e não demorou muito para que Rubro
se esgotasse completamente.
Agora ele está ali, semi desfalecido, quase morto. O amor de Bia e
as lembranças dos velhos tempos são tudo o que lhe resta nesse momento.
É novamente pressionado, na tentativa de conseguir mais um
pouquinho de pasta. Mas nada sai. Rubro volta-se com dificuldade e vislumbra a
amada ao seu lado. Não consegue mais distinguir a realidade da alucinação. Faz
um grande e último esforço e balbucia: “Bia... Eu te amo... ”
Bianca ouve, emocionada. Algumas lágrimas caem dos seus olhos
sobre o corpo de Rubro, já sem vida. Lentamente, ela se afasta. Não suportaria ver
seu amado ser levado dali, não suportaria ver seu fim. Ao passar pelo Fio
Dental, sente um olhar pesado. Com um leve sorriso sarcástico, ele parece
dizer: “Finalmente, consegui o que desejava.”
sendino.claudio@gmail.com
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