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domingo, 10 de julho de 2016

• HISTÓRIAS DAS COISAS – 12 • A volta da faquinha Azul

HISTÓRIAS DAS COISAS (objetos como  personagens), são publicadas mensalmente, desde agosto de 2015.
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 GRANDES EVENTOS
História 7
A volta da faquinha Azul
(Continuação de Altos e baixos – maio de 2016)


O Torneio Tirinhas é sucesso total, depois da série de recordes, com os dois facões – Prata e Dourado – revivendo seus tempos de glória.
Nem parece que há pouco mais de seis meses, uma paralização das suas atividades, motivada pela morte do Pote de Orégano, levou o facão Prata a uma crise de depressão. Ele e seu amigo Dourado estiveram a ponto de se isolar, voltando a morar na distante gaveta da churrasqueira. Quem os dissuadiu dessa ideia desastrosa foi a faquinha Azul, que na época atuava no Torneio, em dias alternados com o Prata. Durante uma tensa reunião da diretoria, ela propôs reabrir o Torneio das Tirinhas com a volta da dupla Prata e Dourado, outrora muito famosa. Ela renunciaria a atuar, em benefício deles. Os dois facões relutaram, mas acabaram aceitando a proposta com a condição de que ela fizesse “apresentações especiais” quando convidada. O que, passados mais de seis meses, nunca aconteceu... 
Como o prometido convite não chegava, a faquinha Azul ia ficando cada vez mais isolada e triste, assistindo ao sucesso dos dois facões somente pela TV. Para sobreviver, ela acabou tendo que aceitar as tarefas menores da cozinha. Mas não podia se conformar em envelhecer daquela maneira. Sabia do talento, da habilidade e capacidade que possuía.
Um dia aconteceu um fato que transformaria sua vida. Faquinha Azul trabalhava na fritura de um bife, tarefa que aceitara na falta do que fazer, ao lado do Garfo de Espeto, um jovem recém-chegado, que iniciava suas atividades profissionais. “Eu sou seu fã”, comentou de repente o Garfo, com um derretido olhar de admiração. Surpresa e meio envergonhada de estar ali, numa atividade menor, sem público algum, ela perguntou: “Você já me viu antes?”
“Eu não perdia nenhum espetáculo seu! Quando não podia ir no estádio, assistia na TV! Eu acho você o máximo! Você tem muito mais estilo do que aquele facão...!”
Na situação em que se encontrava, sentir-se assim admirada foi um verdadeiro alento.   Em pouco tempo tornaram-se amigos e confidentes.
Garfo de Espeto a idolatrava. Queria saber de sua vida, queria saber de tudo o que fosse dela, ouvir tudo. Para a faquinha Azul, essa nova amizade caiu do céu. Tudo o que precisava era de um amigo assim, para desabafar a angústia que sentia. Contou a ele toda a sua vida, falou da grande admiração que sempre teve pelo facão Prata, da amizade entre os dois, contou que ele foi seu mestre, que a defendeu e incentivou no início de sua carreira, e que por isso deve a ele o seu sucesso. E quando o viu naquela situação horrível, tendo em suas mãos a possibilidade de salvá-lo, nem vacilou! Ficou feliz em poder retribuir, pelo menos um pouco do que recebera...
Contou depois que admira muito a amizade entre o Prata e o Dourado: o que um faz o outro apoia, sempre foi assim. Por isso, a atitude estranha do Dourado, não cumprindo a promessa que lhe fez e afastando-se, largando-a de lado... no seu entender foi compartilhada pelo Prata! Ambos sabem muito bem o mal que causaram, o quanto era importante para ela manter-se no torneio! Achava essa atitude, no mínimo, estranha e contraditória, pois eles sempre agiram com lealdade, sempre foram justos e honestos. “Uma coisa muito estranha mesmo!”, repetia. Por isso a decepção foi assim tão grande, difícil de suportar! Contudo, ela é otimista, garantiu que não irá se abater. Disse estar disposta a reagir, pois sabe o talento que tem, e ainda pode atuar como antes.
Em resumo, foi isso o que contou a faquinha Azul. Garfo de Espeto, sempre atento, ouviu, comovido, toda a história. E pensava “como a realidade é tão diferente daquilo que aparenta! Quem poderia imaginar que tudo isso ocorria nos Torneios das Tirinhas, por baixo do pano, escondido do público, oculto dos repórteres...”
Com essa revelação, a faquinha Azul, se tornou para ele mais próxima, mais real do que nunca. Ele sentiu-se mais que um amigo. Apaixonou-se por ela...
Enquanto isso, bem longe dali, nos escritórios da diretoria do Torneio Tirinhas, os dois facões mantinham uma conversa com o Diretor de Eventos sobre o convite de “participação especial” para o próximo espetáculo.
“Por favor não insistam”, dizia o diretor, “eu sei que vocês prometeram e sei o quanto prezam a amizade com a Azul. Isso é muito louvável, mas...”
O Prata interrompeu: “Então, se o senhor compreende, há de concordar! E além de tudo ela é ótima, nós todos sabemos disso!” E o Dourado completou: “Acho que só vai enriquecer o espetáculo! A faquinha Azul é muito querida do público! Por favor, permita- nos convidá-la...”
O diretor passou o lenço no rosto, ajeitou a gravata e continuou:
“É muito louvável mas muito arriscado. Isto aqui é um negócio para dar lucro, não é filantropia. Não podemos desperdiçar as oportunidades. Nós tivemos a sorte de acertar com a ideia da dupla. Deu certo. Vocês também atravessam uma boa fase, estão batendo recordes, e recordes atraem público! É o público que nos interessa, é o que nos mantém vivos! E não estou disposto a permitir que nada, exatamente nada, mude o rumo positivo em que estamos! Esta decisão é definitiva, e para o bem de nós todos, podem estar certos!”
Assim, mais uma vez a proposta dos facões foi recusada. Os dois saíram da reunião, novamente tristes por serem impedidos de convidar a faquinha Azul, sua amiga de muito tempo. Tanto o Prata quanto seu amigo Dourado se sentiam constrangidos de dizer isso a ela, mostrando-se incapazes de cumprir a promessa que lhe fizeram...
“Já sei!” disse de supetão o Prata. Vamos mandar a ela um convite para a plateia!”
Dourado percebeu o plano: “Você não está pensando em...”
“Exatamente!” – Emendou Prata – “É isso mesmo! Vai ser de surpresa!”
Dourado lhe deu um tapa nas costas: “Você é genial! Não sei como não pensei nisso antes!” E saíram satisfeitos em direção à gaveta.
Dias depois a faquinha Azul recebe pelo Correio um passe de entrada, junto com um bilhete assinado pelo Dourado, comunicando que haveria um lugar na plateia reservado para ela, no espetáculo do dia seguinte.
Achou aquilo muito estranho. Depois de tanto tempo, um convite assim... totalmente informal, num papel rabiscado, sem o timbre da empresa! O que estaria acontecendo?
Mesmo com essas dúvidas, nem vacilou, e no dia seguinte lá estava ela, no lugar reservado.
Começa o espetáculo. Os auxiliares colocam o pão e o dividem ao meio, entra em cena o novo Pote de Orégano, e finalmente o facão Prata. Antes dele iniciar o primeiro corte, vira-se para o público e diz: “Senhoras e senhores, tenho uma surpresa reservada. Para fazer esse espetáculo, vou chamar alguém da plateia. Alguém que todos conhecem... a faquinha Azul!”
Foi um choque. Azul estremece, fica por um momento atônita, mas levanta-se e caminha até o palco. No camarim da diretoria, todos estão atônitos. Mas, nessa altura, não podem fazer nada, é só torcer para dar certo. Se der errado, os dois facões estarão demitidos.
Poucas palmas a princípio, mas quando a faquinha Azul sobe ao palco, é ovacionada pelo público. Não há qualquer diálogo. Simplesmente Prata se afasta e a deixa sozinha, para iniciar o espetáculo.
A faquinha Azul jamais vivera um momento como esse. Um verdadeiro teste para seus nervos, para sua capacidade de controle emocional. Ela fecha os olhos, pede ajuda a Deus e inicia o corte da primeira tirinha.
As dificuldades são grandes: faz muito tempo que ela não atua, sente-se insegura e despreparada. O pão está rachado, quebradiço, e o queijo tem que ser muito dividido para forrar toda a superfície.
Um horror!
A faquinha azul vacila, está a ponto de desistir. De repente, lembra a sua primeira estreia. Não foi muito diferente. Naquela ocasião, era uma desconhecida, tinha o público inteiro contra, esperando qualquer deslize seu para vaiá-la, e no entanto se deu bem. Talvez a vida a coloque nessas situações para que ela cresça. Pensando assim, ganha forças para reagir e enfrentar a situação.
Os primeiros cortes foram decisivos. Agora ela ajeita os farelos que caíram, e corta rente, de forma precisa. Os aplausos que ouve a incentivam. Continua concentrada, cortando e consertando os defeitos do pão, empurrando as sobras do queijo, e mantendo sempre espaços mínimos entre as tirinhas. O final é bem tranquilo, pois as maiores dificuldades já haviam sido superadas.
Mas jamais poderia esperar o que virá a seguir.
A contagem final anuncia simplesmente... o recorde mundial de todos os tempos! 25 tirinhas!
Faquinha Azul não credita. Deve ser um engano! O recorde é do Prata, ela sempre achou que a marca de 24 era insuperável. Mas não houve engano. A voz do alto-falante confirma as 25 tirinhas!

Facão Prata corre ao seu encontro, para abraçá-la. Mas antecipa-se uma figura desconhecida: o Garfo de Espeto. Ele a abraça e beija demoradamente. Facão Prata estanca, surpreso, olhando os dois, sem entender nada. Quando se separaram, ele diz, muito sem jeito: “Parabéns, faquinha... você merecia. Você é fantástica.” Ela então o abraça com força, chorando ao dizer: “Obrigada, meu amigo, você não esqueceu de mim...”